Os náufragos
A televisão tem falado deles, embora não muito: dos que tinham um emprego e o perderam (isto é, dele foram expulsos de um ou de outro modo), dos que o procuram há muito ou pouco tempo e nunca o encontraram. Recentemente, foram falados a partir de um especial ponto concreto: a redução do subsídio de desemprego a partir de um certo tempo, ideia do famigerado governo PSD/CDS em 2012, parecendo presumir-se que as necessidades de um desempregado diminuem a certa altura ou que a sua angústia se atenua com o passar do tempo. Tudo isto tem passado fugazmente pelos ecrãs, e o cidadão telespectador cuja atenção se alarga para lá do futebol e das novelas pode ficar imerso em curiosidades insatisfeitas e dúvidas por esclarecer. Mas sobre o assunto ele saberá algumas coisas. Porque conheça um ou mais desempregados ditos de longa duração, talvez um quadragenário cujo posto de trabalho desapareceu na derrocada de uma empresa, talvez uma jovem licenciada que não consegue nem um lugar de caixa em supermercado do senhor Belmiro. É pouca informação, mas é a informação que lhe cabe neste latifúndio supostamente informativo onde a insignificância é quase tudo e o resto é quase nada.
O direito de saber
E aqui emerge, dia após dia, a evidência de uma ignorância que pode inquietar, ou até mais que isso, os telespectadores interessados em saber o que se passa com os seus concidadãos mais agredidos por diversas e sucessivas brutalidades governativas, por efectivas indiferenças entrincheiradas no alibi de medidas protectoras insuficientes e/ou não mais que hipócritas. Será, de facto, uma curiosidade insatisfeita: a de saber como vão sobrevivendo os que verdadeiramente naufragaram ao afundar-se uma empresa ou foram dela varridos por uma espécie de onda que os atirou para as águas ácidas do desemprego. Alguns, bem o sabemos, ainda estão durante algum tempo amparados pela boia institucional do subsídio, mas também sabemos quanto esse amparo é limitado e rapidamente finito. Por isso as associações caritativas tão apreciadas pelas senhoras caridosas distribuem cada vez mais refeições e com isso suscitam aplausos, como se mitigar fomes pudesse ser todo o objectivo de uma sociedade decente. De onde um efectivo dever de cidadania: o de perguntarmos como vivem eles, esses náufragos. Não espantará que entendamos que cabe à televisão em geral e porventura à televisão pública em especial o dever de nos dar a resposta: por óbvias razões de solidariedade mínima e porque esse poderá ser o início de caminhos para apoios e providências. Talvez, antes do mais, porque não pode a TV limitar-se a contar-nos estórias, sejam elas da carochinha e ou simplesmente carunchosas, e por essa via injectar-nos o esquecimento do que é importante: deles, dos náufragos. Cujas tristíssimas odisseias os diversos canais da televisão portuguesa, os públicos e os privados, que aliás tantas reportagens fúteis despejam em nossas casas, têm a obrigação estricta de acompanhar e de trazer ao nosso conhecimento. No mínimo, para que nos indignemos. Porque da indignação muito pode resultar o que é preciso.