Campo de batalha

Correia da Fonseca

Ainda que não se dê conta disso, o utente (ou con­su­midor, ou fre­quen­tador) dos cha­mados media está todos os dias no centro de uma es­pécie de campo de ba­talha em que ele pró­prio é o ob­jec­tivo a tomar de as­salto, a ocupar. Isto será ver­dade re­la­ti­va­mente a qual­quer meio de co­mu­ni­cação so­cial, sendo con­tudo que para estas co­lunas im­porta so­bre­tudo a te­le­visão que, aliás, mesmo pe­rante o enorme re­levo que as redes so­ciais ad­qui­riram nos anos mais re­centes, pa­rece con­ti­nuar a ser o factor que mais ge­ne­ra­li­za­da­mente con­di­ciona os con­ven­ci­mentos dos ci­da­dãos e, por con­sequência, o seu po­si­ci­o­na­mento cí­vico, as suas ac­ções e também as suas inac­ções. Não é grande no­vi­dade que seja assim: pelo menos desde Go­eb­bels e a pro­cla­mada efi­cácia da «men­tira mil vezes re­pe­tida» que a ocu­pação das ca­beças das gentes é re­co­nhe­cida como um fun­da­mental ob­jec­tivo po­lí­tico, que a im­pos­tura passou a valer como ver­dade, isto para não re­cu­armos mais no tempo e na His­tória. De onde a ar­ti­lharia es­pe­cí­fica deste com­bate sem es­trondos mas sempre ca­rac­te­ri­zado por muita du­reza e poucos ou ne­nhuns es­crú­pulos, sector de pri­mei­rís­sima im­por­tância da­quilo a que cha­mamos, e bem, ba­talha ide­o­ló­gica. Com uma fun­da­mental ca­rac­te­rís­tica: a de que um dos lados do com­bate dispõe de meios fi­nan­ceiros, tec­no­ló­gicos e lo­gís­ticos pra­ti­ca­mente ines­go­tá­veis, en­quanto o outro apenas dispõe de con­vic­ções firmes e de enorme em­pe­nha­mento.

A ale­gria final

Dito isto, não sur­pre­en­derá que se peça a atenção dos ci­da­dãos para al­guns cui­dados a ter para evi­tarem a in­to­xi­cação pela ab­sorção dos ve­nenos in­for­ma­tivos que todos os dias nos rondam, que são in­tro­du­zidos em nossas casas e, no caso da te­le­visão, tentam en­trar em cada um de nós pelos olhos e ou­vidos que es­tejam mais dis­po­ní­veis. E é bem caso para dizer que todos os cui­dados são poucos, como aliás se com­pre­en­derá quando nos lem­brarmos de que os se­me­a­dores de to­xinas são pro­fis­si­o­nais es­pe­ci­a­listas, pe­ritos no ma­nejo das suas es­pe­cí­ficas minas e ar­ma­di­lhas, ao passo que os ci­da­dãos-alvos são cri­a­turas des­pre­ve­nidas e ten­den­ci­al­mente cré­dulas pe­rante o que a te­le­visão ou a rádio dis­seram e por­ven­tura a ge­ne­ra­li­dade dos jor­nais terá re­pe­tido ou glo­sado. Neste quadro, convém mo­bi­lizar al­gumas formas de pre­caução que possam cons­ti­tuir li­nhas pro­tec­toras: é uma es­pécie de au­to­de­fesa sob a forma de in­ter­ro­ga­tório. Che­gada até nós a in­for­mação ou o que com in­for­mação se pa­reça, per­gun­temos de onde vem ela, quem ga­nhará al­guma coisa se ela for ge­ne­ra­li­za­da­mente bem aco­lhida, qual é o alvo que será por ela atin­gido, iden­ti­fi­quemos qual o ob­jec­tivo final que es­tará em causa. Em re­sumo: «re­vis­temos» a in­for­mação para nos aper­ce­bermos do que pode ela trazer nas suas al­gi­beiras, so­bre­tudo nas mais in­te­ri­ores, nas que estão menos à vista. Há muitos casos de im­pos­tura óbvia, seja pelo pró­prio tipo de in­for­mação ou seja por co­nhe­cida falta de cre­di­bi­li­dade de quem a dis­parou, mas é pre­ciso não es­quecer de que em po­lí­tica, e por­tanto também na ba­talha ide­o­ló­gica, nem sempre «o que pa­rece é», como muitas vezes é re­pe­tido e o «sempre sau­doso» doutor Sa­lazar uma vez terá lem­brado. Assim, ocorre por vezes que in­for­ma­ções que pa­recem in­cluir-se num pen­sa­mento muito de­mo­crá­tico são, afinal, parte in­te­grante de grandes ma­no­bras de sen­tido con­trário, ou que apa­rentes mo­vi­mentos de opi­nião trans­na­ci­onal são de facto efeitos de cam­pa­nhas in­to­xi­cantes sem prin­cí­pios mas com fins. Poder-se-á dizer que é di­fícil viver assim, num mundo em que a pro­dução de in­ver­dades é per­ma­nente e obe­dece a es­tra­té­gias tra­çadas por es­pe­ci­a­listas e do outro lado, débil, está o ci­dadão em prin­cípio iso­lado. Por isso é tão im­por­tante que o ci­dadão não es­teja iso­lado. Que, com ajuda ou sem ela, per­ceba quais são os dois grandes campos que estão em con­fronto per­ma­nente. Que, de­pois disso, re­flicta. E de­pois de re­flectir sa­bo­reie a ale­gria final de, mais uma vez, não ter sido en­ga­nado.

 



Mais artigos de: Argumentos

Defender a Carris<br>e o Serviço Público

No próximo dia 24 de Fevereiro será discutido na Assembleia da República o Decreto-Lei de Municipalização da Carris, na sequência do pedido de Apreciação Parlamentar apresentado pelo PCP. Este facto tem motivado tantas notícias falsas e provocatórias...

Terras mineiras

A voz sofrida faz do canto de cada palavra um trabalhoso, ainda que mínimo, ganho de fôlego: «Rinconada, Lunar de Ouro, só tu sabes quanto chorei. / Ritipata, riticucho, pallaqueaba com os meus amigos. / Madrugada após madrugada, suportando frio e fome. /...