Se, por acaso
Oh, céus! Oh drama! Oh tragédia! O mundo como o conhecemos está a desabar e ninguém se rala? O homem falou e disse, veio tudo nas notícias do dia e pronto, já está, passa-se à frente? É só Trump, só Trump, só Trump... e por cá? Sim, por cá, como é que ficamos se o homem insistir na dele? Tantos anos a construir o edifício, tijolo por tijolo, que é como quem diz acordo por acordo, documento por documento, corta-aqui-corta-acolá, tudo coisas boas para quem tem a mão na massa, ou a massa na mão, como se queira, com direito a brindes e tudo, tchin tchin... e zás! De um momento para o outro deita-se tudo a perder e nem uma lágrima de crocodilo, uma palavrinha de apoio? Não é justo.
Afinal o homem esforçou-se até perder o fôlego. Bateu a todas as portas. Foi a todas as capelinhas. Falou grosso. Falou fino. Argumentou como quem defende causa própria. Expôs o peito às balas, é uma maneira de dizer, destapando a careca dos fretes que fez e estava disposto a continuar a fazer. Até fez ameaças, imagine-se! «Olhem que para a próxima não contam comigo»... Tudo em vão, é verdade, mas o mérito está na intenção, não no resultado. Não era caso para o deixarem a falar sozinho, ainda por cima em vésperas de congresso, dois meses passam a correr, com eleições à porta e o cargo pronto a ser reocupado.
Não é justo, repito, mais a mais quando o homem levou a peito as dores alheias e assinou por baixo aquela coisa do toma-lá-mais-um-bocadinho-do-que-é-teu a troco de um bocado-que-também-era-para-ser-teu-no futuro-mas-faz-de-conta-que-agora-é-meu. Pior ainda. Quando o homem continua empenhado em transformar em troca o que não tem troco, apesar de já ter sido tudo trocado por miúdos numa demonstração exaustiva de que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, seja qual for o nome ou a sigla que ostente.
Percebe-se que o homem, abalado pelo TSUnami e frustrado pela inutilidade de tanto esforço, tenha entrado em desespero e feito um ultimato, a semana passada, ao estilo «ou ele ou eu». As palavras foram, mais coisa menos coisa, «não nos sentaremos à mesa das negociações, nem assinaremos qualquer aditamento» se a CGTP quiser entrar na discussão. O homem esperava certamente que um coro se fizesse ouvir em seu apoio. Azar. Respondeu-lhe o silêncio. Daí a razão destas preocupadas linhas, que desenvolvimentos posteriores vieram mostrar serem manifestamente exageradas. O homem não vai faltar à chamada e amanhã lá estará, lado a lado com os patrões, esses ingratos, a assinar como de costume o que tiverem por bem chamar de acordo, sem outro peso na consciência que não seja o da caneta com que escreve o nome: Carlos Silva.
Para a eventualidade, pouco provável, há que reconhecer, de o secretário-geral da UGT de serviço ser assaltado por uma réstia de pudor devido à sua falta de coerência, deixamos uma sugestão: não se sente, homem, assine de pé.