Os enganos

Henrique Custódio

Passos Coelho é um jogador inveterado e fez um novo lançamento: declarou ir votar com o PCP, o PEV e o BE contra o abaixamento da TSU para os patrões, mandando às malvas a coerência e os princípios que foi jurando ao longo da sua trepidante carreira política – aliás, bagatelas que nunca o incomodaram, pois Passos Coelho é, literalmente, farinha do mesmo saco do seu amigo Miguel Relvas, esse brilhante doutor.

A reacção inicial do patronato foi de incrédulo escândalo, havendo diligências no sentido de levar Passos Coelho a arrepiar caminho, com vários luminares da direita, como Silva Peneda, a sopesar catástrofes perante a eminência de uma reprovação na AR do abaixamento da TSU para os patrões.

O entremez também expôs o secrretário-geral da UGT, Carlos Silva, na triste figura (se vergonha houvesse) de andar por aí a mendigar a Passos Coelho que «reconsiderasse», pois o abaixamento da TSU para os patrões era «fulcral» para que «pagassem a subida do ordenado mínimo», fingindo ignorar que o aumento do salário mínimo era decisão já tomada e fechada pelo Governo do seu partido, o PS.

Sempre atenta aos ventos que sopram do PSD e da direita, a informação reflectiu de imediato estas «preocupações» com o anúncio de Passos Coelho, que, entretanto, ia consolidando, em sucessivos discursos arrivistas, a sua decisão de tentar tramar o Governo do PS com um «chumbo» à medida do abaixamento da TSU dos patrões.

Mas foi sol de pouca dura e, em algumas horas, o grosso do patronato virou a agulha e deixou de imprecar Passos Coelho, aceitando tacitamente o seu chumbo à TSU dos patrões, para com ele fazer coro na exigência ao Governo do PS para que «recorra a outras medidas» para «compensar» os patrões.

De uma virada, Passos Coelho viu esquecida a sua vergonhosa falta de coerência em matéria de TSU e aparentemente recauchutada a única estratégia que conhece, a de esperar que o Governo do PS caia de maduro a seus pés.

Animado, Passos chegou a garantir na Madeira que «não contem connosco!» – como se a maioria, neste País, estivesse remotamente interessada em contar com ele – e advertindo que «nada de reversões!», o que foi uma oportuna lembrança para o eleitorado, ainda a sarar das «reversões» que Coelho praticou sobre os direitos e conquistas que a Revolução de Abril trouxera.

Mas há um equívoco, neste alinhamento entre Passos Coelho e o grande patronato.

É que Passos Coelho continua inamovível na sua estratégia de que o Governo do PS lhe caia aos pés, enquanto o grande patronato finge vislumbrar nesta paralisia revanchista de Coelho um novo fôlego na tal estratégia.

Estão ambos enganados – Coelho, porque se julga oportuno quando está a ser apenas oportunista, o patronato, porque o que aprecia mesmo é só o oportunismo.

 



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