Um susto chamado Donald
Até há pouco, a Europa e o mundo em geral só conheciam com aquele nome um simpático pato que não lhes causava nenhum susto, antes pelo contrário. Eis, porém, que no outro lado do mar ocorreram eleições e que em resultado delas foi eleito para mandar um sujeito que nem é pato nem é simpático à grande maioria das gentes, antes pelo contrário. Em consequência, a televisão e outros media têm trazido sinais frequentes e intensos do susto que essa escolha vem suscitando em longitudes e latitudes variadas mas sobretudo europeias e, como tem acontecido perante outros casos relevantes, o «Prós e Contras» reuniu para discutir a situação e esclarecer os cidadãos telespectadores. Convém reconhecer que daí não resultou um programa especialmente interessante: não se registaram nele opiniões profundamente díspares, não ocorreram polémicas vivas, e dessas ausências resultou uma consensualidade fundamental que pode ter convidado ao sono alguns telespectadores. Ainda assim, porém, foram mais ou menos claros os motivos maiores que explicam o receio que a eleição do recém-chegado presidente dos Estados Unidos vem provocando. Donald Trump já deu abundantes provas de ser malcriado, xenófobo, racista e sexista, destes predicados tendo feito mesmo o que pode ser considerado um estilo próprio, mas é muito duvidoso que estas características nada frequentes num presidente USA expliquem a vaga de temor que se instalou em diversos lugares do mundo e designadamente na Europa. A questão fundamental é outra, ou melhor, serão outras: Donald Trump não tem nenhum apreço pela NATO, que qualificou de «obsoleta» e considera um fonte de inúteis encargos financeiros para os Estados Unidos, e vem dando claros sinais de não querer prosseguir uma rota de tendencial confronto com a Rússia, assim contrariando uma tendência que nos últimos tempos da administração Obama tinha vindo a acentuar-se.
Os alarmantes sinais
Um dia destes, no programa «Quadratura do Círculo» da SIC Notícias, o dr. António Lobo Xavier, distinto advogado e administrador do jornal «Público», ao querer referir-se à Rússia actual designou-a por União Soviética num lapso que poderá ser enquadrado na área dos «actos falhados» freudianos. Este minúsculo episódio poderá ser um sintoma de que o entendimento ocidental e cristão da velha cruzada anti-soviética persiste sob a forma de cruzada anti-russa, o que aliás é confirmado por notícias que diariamente nos chegam. Ora, neste quadro é óbvio que os sinais dados por Trump no sentido de uma aproximação à «Rússia de Putin» só podem ter desencadeado algum alarme nas fileiras anti-soviéticas/anti-russas que dos dois lados do Atlântico dão tarefas e abundantes meios de subsistência a paraprofissionais da Guerra Fria. Porém, há mais: Donald Trump não apenas deu os já referidos sinais de desapreço pela NATO, essa aliança inventada para defender o Ocidente de uma suposta ameaça já falecida há décadas, como pré-anunciou que os Estados Unidos irão deixar de lhe pagar a despesa. Não é difícil imaginar o impacto desta previsão no espírito dos milhares que pela Europa fora vivem da NATO política e financeiramente. Ora, parecia expectável que estas duas pré-orientações, o entendimento com Putin e o possível óbito da NATO, fossem referidos no «Prós e Contras» da passada segunda-feira: não o foram, e talvez essas duas omissões expliquem, pelo menos em parte, a clima sonolento em que decorreu o programa. Talvez fique para uma próxima vez, no programa confiado a Fátima Campos Ferreira ou fora dele, porque são temas de extremo relevo. De facto, a manutenção da NATO, ainda que numa vida sustentada por uma espécie de respiração artificial, e do espírito de cruzada anti-soviética, mesmo vinte e cinco anos depois da dissolução da URSS, são fundamentais para o prosseguimento de muitos e excelentes negócios nos planos políticos e financeiros. E, mais uma vez o lembramos, sempre «the business must go on».