Toda a gente tem uma história para contar
A cobertura mediática à decisão do Governo de liberalização do transporte individual de passageiros constituiu uma grande operação de achincalhamento do sector do táxi visando favorecer junto da população a aceitação da subserviência do País aos interesses das multinacionais, particularmente da UBER.
Instrumentalizando características próprias de um sector marcado pela pequena propriedade, o papel da generalidade dos órgãos de comunicação social foi o de tentar alimentar o mais possível o preconceito. Como li e ouvi de muitos jornalistas e comentadores, quando falamos de táxis «toda a gente tem uma história para contar». Daqui para a frente, foi só construir a narrativa: de um lado os que resistem à mudança, carros velhos e poluentes, do outro, as novas tecnologias e o conforto; de um lado os arruaceiros, os vigaristas, os que dão voltas à cidade para enganar o passageiro, do outro, a educação, o civismo e o preço mais baixo na factura. Querem ou não a UBER? Pergunta o Governo, perguntam os comentadores, pergunta a sempre isenta Fátima C. Ferreira no seu Prós & …
Durante este turbilhão mediático a UBER nem precisou de aparecer. Para quê? Se tinha o Governo, os jornalistas e comentadores a falar por ela, a defenderem o seu serviço, as suas vantagens, o seu rigor perante o fisco (na Holanda e noutros paraísos fiscais, claro!). Com uma lei feita à sua medida, os seus accionistas – Goldman Sachs, Amazon, Google, etc. – só precisaram de deixar correr o marfim, com a crucificação do táxi e as portas prestes a escancararem-se aos seus interesses. A sua força é tal que está há mais de dois anos a operar ilegalmente em Portugal sem que nada lhe aconteça.
De facto, esta não é uma luta entre novas e velhas tecnologias, ou entre um mercado regulado e a livre concorrência. Aquilo que está em causa é a liquidação de todo um sector – que poderia evoluir e ser melhorado – face à concorrência desleal de quem não tem contingente, não tem preços regulados, não tem obrigações fiscais ou responsabilidades perante os seus trabalhadores. Todos têm uma história para contar e Portugal tem muitas de submissão aos interesses mais poderosos e que são de má memória e triste desfecho...