Acordo sobre alterações climáticas agrava injustiças

Vladimiro Vale

A ra­ti­fi­cação do acordo al­can­çado na Ci­meira de Paris sobre as al­te­ra­ções cli­má­ticas na As­sem­bleia da Re­pú­blica me­receu a abs­tenção do PCP. Com este po­si­ci­o­na­mento o PCP pre­tendeu as­si­nalar o re­co­nhe­ci­mento da ur­gência de adopção de me­didas de re­dução da emissão de gases com efeito de es­tufa, não dei­xando de re­gistar o anúncio de in­ten­ções de es­ta­be­le­ci­mento de ob­jec­tivos co­muns nesta ma­téria, mas as­si­na­lando no en­tanto que a pro­pa­ganda em torno deste acordo es­conde li­mi­ta­ções e pe­rigos que põem em causa as in­ten­ções anun­ci­adas.

Numa es­pécie de fuga em frente, este acordo avança com um ob­jec­tivo am­bi­cioso em termos de tra­vagem do aque­ci­mento global, mas não aponta me­didas con­cretas de re­dução de GEE para o atingir, e o que se sabe é que as me­didas já anun­ci­adas por 185 países, dos 195 que apro­varam o texto, são in­su­fi­ci­entes para cum­prir o ob­jec­tivo anun­ciado. Apesar da pro­pa­ganda, no acordo não existem metas vin­cu­la­tivas para os países.

O acordo foi no sen­tido da­quilo que era o grande ob­jec­tivo da ad­mi­nis­tração dos EUA – a cri­ação de um sis­tema único de re­gras de «com­bate» às al­te­ra­ções cli­má­ticas para todos os países, afas­tando a pro­posta mais justa de dois sis­temas, um para países de­sen­vol­vidos, outro para países em de­sen­vol­vi­mento – ou seja, co­me­çaram a apagar a res­pon­sa­bi­li­dade his­tó­rica dos países in­dus­tri­a­li­zados nas emis­sões de GEE, agra­vando in­jus­tiças.

Sobre o fa­mi­ge­rado re­forço do Fundo Verde para os 100 mil mi­lhões de dó­lares anuais, o acordo não es­cla­rece de onde virá. Apre­sen­tado como um ins­tru­mento para os países mais frá­geis res­pon­derem a ca­tás­trofes, tem tudo para ser mais uma forma de fi­nan­ci­a­mento in­di­recto das se­gu­ra­doras e de grupos fi­nan­ceiros e eco­nó­micos, através de pa­cotes de fis­ca­li­dade verde que se re­flec­tirão nas classes mais des­fa­vo­re­cidas.

Os ins­tru­mentos de mer­cado con­ju­gados com o con­ceito de neu­tra­li­dade de emis­sões contêm riscos graves. Neste quadro, a aposta nos ditos su­mi­douros de CO2 (flo­restas e ou­tros) tem tudo para se tornar um grande me­ca­nismo de não re­solver o pro­blema e até de o apro­fundar, per­mi­tindo ga­nhar cré­ditos de emissão, com a cri­ação de mono pro­du­ções flo­res­tais con­ti­nu­ando a emitir gases e des­truindo a flo­resta au­tóc­tone, afec­tando a bi­o­di­ver­si­dade.

O acordo de Paris, con­tinua a abrir a porta para es­quemas de co­mércio de li­cenças de emissão de CO2 que têm per­mi­tido que os países de­sen­vol­vidos com­prem cré­ditos de car­bono a países em de­sen­vol­vi­mento, em vez de re­du­zirem, de facto, as suas emis­sões. Es­quemas que per­mitem que países de­sen­vol­vidos con­ta­bi­lizem como suas re­du­ções de emis­sões em países ter­ceiros, acen­tu­ando in­jus­tiças. De facto, os es­quemas de co­mércio de li­cenças, como o Es­quema Eu­ropeu de Tran­sac­ções (ETS), que até con­duziu ao au­mento de emis­sões de gases de efeito de es­tufa, de­ve­riam ser afas­tados por «in­de­cente e má fi­gura». A União Eu­ro­peia, grande pro­mo­tora desta so­lução, até teve que re­tirar do mer­cado li­cenças de emissão para fazer subir o preço, visto que o preço da to­ne­lada de CO2 atingiu preços ir­ri­só­rios.

Pre­o­cu­pa­ções

A pro­pa­ganda e a en­trada na cena do de­bate sobre as al­te­ra­ções cli­má­ticas dos re­pre­sen­tantes dos cen­tros de de­cisão do im­pe­ri­a­lismo devem co­locar pre­o­cu­pa­ções a todos os que de­fendem a Na­tu­reza e o seu equi­lí­brio. A su­cessão de de­cla­ra­ções e juras, mais ou menos dra­má­ticas, de pre­o­cu­pação am­bi­en­ta­lista de fi­guras como Ch­ris­tine La­garde, Al Gore, Obama, Ban Ki-moon, etc. sobre o com­bate às al­te­ra­ções cli­má­ticas, ajuda a per­ceber os in­te­resses que se movem por de trás deste pro­cesso e sobre a im­por­tância que estes cen­tros estão a atri­buir a este tema. Os riscos de apro­vei­ta­mento deste pro­cesso para pro­gredir na mer­can­ti­li­zação da na­tu­reza e dos seus pro­cessos e, com isto, agravar os pro­blemas am­bi­en­tais do pla­neta, são bem reais.

O PCP apre­sentou na AR o pro­jecto de re­so­lução Uma Po­lí­tica de De­fesa da Na­tu­reza ao ser­viço do Povo e do País, onde propõe: re­forçar os meios do Es­tado para de­sen­volver uma ver­da­deira po­lí­tica de de­fesa da na­tu­reza; re­forçar me­didas que au­mentem a efi­ci­ência ener­gé­tica, que de­sen­volvam al­ter­na­tivas ener­gé­ticas de do­mínio pú­blico; re­forçar o in­ves­ti­mento no trans­porte pú­blico; de­sen­volver me­didas que con­tra­riem a li­be­ra­li­zação do co­mércio mun­dial; in­tervir no sen­tido de uma justa dis­tri­buição dos es­forços de li­mi­tação da pro­dução de gases com efeito de es­tufa por sec­tores e países, feita através de nor­ma­tivo es­pe­cí­fico sem a atri­buição de li­cenças tran­sac­ci­o­ná­veis.

Só com uma pro­funda rup­tura po­lí­tica que as­sente numa pers­pec­tiva pa­trió­tica e de es­querda se cons­trói um Es­tado capaz de de­fender a na­tu­reza, capaz de de­sen­volver uma po­lí­tica que co­loque a ri­queza na­tural do País ao ser­viço do povo e do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal e não sub­me­tida aos grupos mo­no­po­listas.




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