Fogos: saber das raízes

Correia da Fonseca

Findo o previsto período de férias, o «Prós e Contras» regressou aos nossos televisores com um tema imposto pelos dias dramáticos que o País viveu ao longo de quase todo este Verão agora já em fase terminal: os incêndios. Aconteceu até que o programa voltou em horário antecipado em relação ao que lhe era habitual e com a sua duração encurtada por um motivo simpático, o de ceder antena a um espetáculo de homenagem aos bombeiros portugueses que imediatamente se seguiria. Terá sido por isso que as diversas intervenções havidas no decurso do programa se revelaram aquém do que a importância do tema em debate exigiria. Foram falados, naturalmente, aspectos que de resto têm vindo a ser referidos em comentários mais ou menos breves ouvidos durante os últimos meses: a já habitual falta de limpeza de áreas de mato que desse modo ficam mais expostas a que o fogo as devore, a não identificação dos proprietários de áreas rurais, as verdadeiramente insuportáveis avarias técnicas nos chamados «meios aéreos» de combate aos incêndios. As intervenções resvalaram por vezes para a área da responsabilidade política, mas sem que desse deslize resultasse qualquer conclusão nítida. Neste plano, talvez se possa dizer que aconteceu o que é costume, ou quase. Também faltaram, decerto por escassez de tempo disponível, intervenções da plateia que em programas anteriores se revelaram por vezes preciosas.

Mãos que ateiam, mãos que pagam

Não será excessivo dizer que nisto dos fogos que destroem o Portugal verde e desgraçam muitos portugueses o que a generalidade das gentes mais imediatamente deseja é saber o que os ateia: se o calor, se a imprudência de alguns, se a acção de enlouquecidos pelo fascínio do fogo ou pagos por interesses criminosos. Este último caso, o de incendiários a soldo de mandantes, é muito menos falado do se imporia e essa omissão também ocorreu neste regressado «Prós e Contras». Ao longo de muitos noticiários, os telespectadores têm ouvido bombeiros a asseverar que os incêndios que combatem foram provocados por mãos criminosas; por vezes é mesmo anunciada a detenção de um ou outro desses delinquentes e até um ou outro traço da sua condição: um deles seria alcoólico, outro estava desempregado, sem que contudo se estabeleça um claro nexo entre essas circunstâncias e o crime praticado. Nunca se sabe, porém, o que acontece depois a essa gente, isto é, nunca é divulgada a consequência que irão sofrer, digamos que o preço a pagar pelo que terão feito e cuja divulgação poderia ter um efeito dissuasor de futuros crimes semelhantes. Mais grave ainda é a total ignorância acerca dos mandantes quando os haja, dos que pagam a uns desgraçados para que provoquem incêndios que, a termo, propiciarão bons negócios a quem pagou. Por vezes perpassam uns sussurros acerca desta ou aquela área de negócios, coisa pouca que nunca vai longe. Se pelo menos alguns incêndios florestais têm raízes, é aí que é urgente procurá-las, arrancá-las, destruí-las; mas a televisão, que quase traz a nossas casas o som sinistro do crepitar do fogo, nada nos diz quanto a este ponto, como se os seus deveres se esgotassem na transmissão das imagens que para alguns terão o efeito de despertar pendores doentios. A televisão dispensa-se, enfim, de complementar a mera transmissão do espectáculo que o fogo florestal é com uma informação útil para a eventual prevenção de incêndios futuros. E, talvez por algum contágio, a mesma omissão tende a acontecer quando os incêndios são tema de debate em que se fala de algumas causas, de responsabilidades, de questões técnicas. Mas onde nem uma só palavra é lançada com o óbvio objectivo de pelo menos instigar uma investigação das tais raízes que, comodamente intactas, voltarão a gerar a sinistra floração de futuros incêndios.




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