E a dívida, senhores?
1. No início de 2014, setenta personalidades decidiram subscrever um manifesto em defesa de uma reestruturação da dívida pública, como condição para promover o crescimento económico do País.
Pelo menos três anos antes já o PCP havia chamado a atenção para o problema e proposto, pela primeira vez no quadro partidário nacional, uma renegociação da dívida – nos seus prazos, juros e montantes. A tanto não chegou o manifesto dos setenta, enredado que ficou nas contradições dos seus subscritores. Ainda assim, estes afirmavam claramente: «Nenhuma estratégia de combate à crise poderá ter êxito se não conciliar a resposta à questão da dívida com a efectivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego (...). A reestruturação da dívida é condição sine qua non para o alcance desses objectivos». Taxativos, acrescentavam: «A actual dívida é insustentável na ausência de robusto e sustentado crescimento. (...) É imprescindível reestruturar a dívida para crescer (...). Sem reestruturação da dívida, o Estado continuará enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade».
Circunstancialmente contida, a dívida pública, de então para cá, não diminuiu a gravidade do seu volume, do seu serviço, da sangria de recursos públicos e nacionais que vem provocando. Ademais, as medíocres perspectivas de crescimento da economia nacional têm sido sucessivamente revistas em baixa e aproximam-se mesmo dos níveis verificados nos últimos anos do governo PSD-CDS.
Surpreende por tudo isto (ou talvez não) o silêncio de chumbo de muitos dos subscritores do manifesto dos setenta.
2. Recentemente, por iniciativa dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, foi promovida uma declaração escrita exortando as instituições da UE «a encetar e apoiar um processo de renegociação das dívidas públicas dos países mais endividados, reduzindo consideravelmente os respectivos níveis e encargos anuais, fazendo-os regressar a níveis sustentáveis e tornando, assim, o serviço da dívida compatível com o desenvolvimento económico e social». E propondo, ao mesmo tempo, «a convocação de uma conferência intergovernamental para debater a revogação do Tratado de Estabilidade Orçamental».
A referida declaração escrita lembra que o acentuado aumento da dívida pública em diversos estados-membros da UE não pode ser dissociado dos impactos assimétricos do processo de integração, incluindo o mercado interno, as políticas comuns e a União Económica e Monetária; nem das intervenções públicas destinadas a resolver os problemas dos bancos; nem tampouco dos ataques especulativos às dívidas soberanas, mormente as dos países periféricos.
Nunca nos anos mais recentes, o problema da dívida ganhou tamanha visibilidade no Parlamento Europeu. Não se esperava, naturalmente, atendendo à composição do órgão, que a declaração promovida pelos deputados do PCP obtivesse uma adesão maioritária. Tampouco existiam quaisquer ilusões de que as instituições da UE se rendessem à justeza dos apelos. Mas, desta forma, forçou-se a discussão do tema, como antes não se havia feito, e impôs-se a inevitável separação de águas. A declaração proposta pelos deputados do PCP recolheu apoio de 75 deputados do Parlamento Europeu, de um total de 19 estados-membros, na sua maioria oriundos do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, mas incluindo gente de praticamente todos os grupos políticos. De Portugal, ficaram a faltar as assinaturas dos deputados do PSD, do CDS mas também as do PS. Ora para quem, internamente, foi dizendo que o problema da dívida deveria ser abordado no plano da UE, esta ausência será, digamos, elucidativa.
3. Facto incontornável é que a dívida e o seu serviço continuam sendo um obstáculo maior ao desenvolvimento do País. Um obstáculo que tem de ser removido, com uma renegociação da dívida – nos seus prazos, juros e montantes. Mas este constrangimento está indissociavelmente ligado a outros grandes constrangimentos e a um em particular: à permanência no euro. Não apenas porque o brutal endividamento do país resultou, em grande medida, da adesão e permanência no euro. Mas porque, como a experiência grega bem demonstrou, no actual quadro, dentro do euro, não há reestruturações da dívida senão para satisfazer os interesses dos credores.