Comentário

E a dívida, senhores?

João Ferreira

1. No início de 2014, se­tenta per­so­na­li­dades de­ci­diram subs­crever um ma­ni­festo em de­fesa de uma re­es­tru­tu­ração da dí­vida pú­blica, como con­dição para pro­mover o cres­ci­mento eco­nó­mico do País.

Pelo menos três anos antes já o PCP havia cha­mado a atenção para o pro­blema e pro­posto, pela pri­meira vez no quadro par­ti­dário na­ci­onal, uma re­ne­go­ci­ação da dí­vida – nos seus prazos, juros e mon­tantes. A tanto não chegou o ma­ni­festo dos se­tenta, en­re­dado que ficou nas con­tra­di­ções dos seus subs­cri­tores. Ainda assim, estes afir­mavam cla­ra­mente: «Ne­nhuma es­tra­tégia de com­bate à crise po­derá ter êxito se não con­ci­liar a res­posta à questão da dí­vida com a efec­ti­vação de um ro­busto pro­cesso de cres­ci­mento eco­nó­mico e de em­prego (...). A re­es­tru­tu­ração da dí­vida é con­dição sine qua non para o al­cance desses ob­jec­tivos». Ta­xa­tivos, acres­cen­tavam: «A ac­tual dí­vida é in­sus­ten­tável na au­sência de ro­busto e sus­ten­tado cres­ci­mento. (...) É im­pres­cin­dível re­es­tru­turar a dí­vida para crescer (...). Sem re­es­tru­tu­ração da dí­vida, o Es­tado con­ti­nuará en­re­dado e to­lhido na vã ten­ta­tiva de re­solver os pro­blemas do dé­fice or­ça­mental e da dí­vida pú­blica pela única via da aus­te­ri­dade».

Cir­cuns­tan­ci­al­mente con­tida, a dí­vida pú­blica, de então para cá, não di­mi­nuiu a gra­vi­dade do seu vo­lume, do seu ser­viço, da san­gria de re­cursos pú­blicos e na­ci­o­nais que vem pro­vo­cando. Ade­mais, as me­dío­cres pers­pec­tivas de cres­ci­mento da eco­nomia na­ci­onal têm sido su­ces­si­va­mente re­vistas em baixa e apro­ximam-se mesmo dos ní­veis ve­ri­fi­cados nos úl­timos anos do go­verno PSD-CDS.

Sur­pre­ende por tudo isto (ou talvez não) o si­lêncio de chumbo de muitos dos subs­cri­tores do ma­ni­festo dos se­tenta.

2. Re­cen­te­mente, por ini­ci­a­tiva dos de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu, foi pro­mo­vida uma de­cla­ração es­crita exor­tando as ins­ti­tui­ções da UE «a en­cetar e apoiar um pro­cesso de re­ne­go­ci­ação das dí­vidas pú­blicas dos países mais en­di­vi­dados, re­du­zindo con­si­de­ra­vel­mente os res­pec­tivos ní­veis e en­cargos anuais, fa­zendo-os re­gressar a ní­veis sus­ten­tá­veis e tor­nando, assim, o ser­viço da dí­vida com­pa­tível com o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial». E pro­pondo, ao mesmo tempo, «a con­vo­cação de uma con­fe­rência in­ter­go­ver­na­mental para de­bater a re­vo­gação do Tra­tado de Es­ta­bi­li­dade Or­ça­mental».

A re­fe­rida de­cla­ração es­crita lembra que o acen­tuado au­mento da dí­vida pú­blica em di­versos es­tados-mem­bros da UE não pode ser dis­so­ciado dos im­pactos as­si­mé­tricos do pro­cesso de in­te­gração, in­cluindo o mer­cado in­terno, as po­lí­ticas co­muns e a União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária; nem das in­ter­ven­ções pú­blicas des­ti­nadas a re­solver os pro­blemas dos bancos; nem tam­pouco dos ata­ques es­pe­cu­la­tivos às dí­vidas so­be­ranas, mor­mente as dos países pe­ri­fé­ricos.

Nunca nos anos mais re­centes, o pro­blema da dí­vida ga­nhou ta­manha vi­si­bi­li­dade no Par­la­mento Eu­ropeu. Não se es­pe­rava, na­tu­ral­mente, aten­dendo à com­po­sição do órgão, que a de­cla­ração pro­mo­vida pelos de­pu­tados do PCP ob­ti­vesse uma adesão mai­o­ri­tária. Tam­pouco exis­tiam quais­quer ilu­sões de que as ins­ti­tui­ções da UE se ren­dessem à jus­teza dos apelos. Mas, desta forma, forçou-se a dis­cussão do tema, como antes não se havia feito, e impôs-se a ine­vi­tável se­pa­ração de águas. A de­cla­ração pro­posta pelos de­pu­tados do PCP re­co­lheu apoio de 75 de­pu­tados do Par­la­mento Eu­ropeu, de um total de 19 es­tados-mem­bros, na sua mai­oria oriundos do Grupo Con­fe­deral da Es­querda Uni­tária Eu­ro­peia/​Es­querda Verde Nór­dica, mas in­cluindo gente de pra­ti­ca­mente todos os grupos po­lí­ticos. De Por­tugal, fi­caram a faltar as as­si­na­turas dos de­pu­tados do PSD, do CDS mas também as do PS. Ora para quem, in­ter­na­mente, foi di­zendo que o pro­blema da dí­vida de­veria ser abor­dado no plano da UE, esta au­sência será, di­gamos, elu­ci­da­tiva.

3. Facto in­con­tor­nável é que a dí­vida e o seu ser­viço con­ti­nuam sendo um obs­tá­culo maior ao de­sen­vol­vi­mento do País. Um obs­tá­culo que tem de ser re­mo­vido, com uma re­ne­go­ci­ação da dí­vida – nos seus prazos, juros e mon­tantes. Mas este cons­tran­gi­mento está in­dis­so­ci­a­vel­mente li­gado a ou­tros grandes cons­tran­gi­mentos e a um em par­ti­cular: à per­ma­nência no euro. Não apenas porque o brutal en­di­vi­da­mento do país re­sultou, em grande me­dida, da adesão e per­ma­nência no euro. Mas porque, como a ex­pe­ri­ência grega bem de­mons­trou, no ac­tual quadro, dentro do euro, não há re­es­tru­tu­ra­ções da dí­vida senão para sa­tis­fazer os in­te­resses dos cre­dores.




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