«Deixa arder»
Portugal está a viver um momento grave com as centenas de incêndios que deflagraram no continente e na região autónoma da Madeira. Só na semana entre 6 e 12 de Agosto arderam 96.477 hectares, 20 vezes mais do que tinha ardido desde o início de 2016. Ao momento da redacção deste artigo encontram-se activos quase meia centena de incêndios. Trata-se de uma situação excepcional que exige medidas excepcionais.
O governo português accionou, bem e a tempo, os acordos bilaterais de ajuda ao combate a incêndios e o mecanismo europeu de protecção civil. De Marrocos chegaram rapidamente dois aviões Canadair e da Rússia dois Beriev, aviões de grande capacidade. Da União Europeia chegaram dois Canadair espanhóis, país com o qual temos um acordo bilateral de combate a incêndios nas zonas de fronteira e com quem tradicionalmente temos uma cooperação bilateral nesta área, e um Canadair de Itália. França afirmou estar a considerar enviar meios.
A «ajuda» da União Europeia é vergonhosa e demonstrativa da real «solidariedade» com que podemos dali contar. Tão vergonhosa que até o governo português sinalizou a crítica. A resposta política da UE, essa, chegou e foi lesta: «Neste momento vários Estados-membros estão a enfrentar graves incêndios florestais ou perigo extremo de incêndio florestal. Consequentemente, a disponibilidade de aviões é muito limitada». Se a falta de solidariedade é já por si grave, a mentira na resposta política é criminosa. Basta olhar para os dados e mapas do sistema europeu de informação de fogos florestais1 para chegar às seguintes conclusões: 1 - Portugal tem neste momento, sozinho, metade (101 mil hectares) de toda a área ardida na União Europeia; 2 - Os principais focos de incêndio concentram-se maioritariamente nos países que enviaram meios ou consideram enviar, Espanha, Itália e França; 3 - Portugal e Espanha, a par com a Grécia, são os países onde o risco de incêndio é máximo. Na Europa central e do norte o risco é baixo ou moderado. É caso para dizer a União Europeia não serve nem para apagar fogos. A sua resposta ao drama que estamos a viver bem poderia ser traduzida na expressão «deixa arder».
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1 http://forest.jrc.ec.europa.eu/effis/