Os problemas avolumam-se
Sobre as malfeitorias do governo PSD/CDS no que respeita aos militares, já tudo foi dito: desde as alterações negativas ao Estatuto dos Militares, passando pelo ataque nas áreas da saúde, apoios sociais e reformas, a um relacionamento administrativista com as associações militares e opções de reequipamento pautadas por interesses e prioridades ao lado dos reais interesses e prioridades nacionais, até aos ralhetes públicos do então ministro, tudo aconteceu. Tudo aconteceu com impactos no funcionamento da própria Instituição, nas suas capacidades operacionais e motivação (uma coisa é as missões serem cumpridas, outra coisa é a motivação na sua realização), e também na sua própria capacidade de atracção com os óbvios reflexos.
Ora, impunha-se, e impõe-se, um outro caminho. Mas em boa verdade, vai-se generalizando a ideia de que assim não será no que respeita concretamente a esta área. Precisando: é certo que há medidas positivas de ordem geral que também têm repercussão positiva nos militares. Mas no que respeita aos aspectos específicos, não só nenhum sinal ou medida surge como, nalguns casos, o sinal é de sentido contrário.
É assim, quando o sinal que o MDN dá no que respeita ao Estatuto dos Militares é o da sua não alteração; quando sete meses depois o MDN ainda não encontrou tempo para receber todas as associações militares e com elas procurar estabelecer um relacionamento mais profícuo; quando assume como boa a Lei de Programação Militar ou, mais perceptível, do Reequipamento; quando mantém uma situação pantanosa no IASFA, sem qualquer reunião do seu conselho consultivo e em que se impõe que o «consultivo» não seja um mero pró-forma, mas uma via real de definição das opções; quando mantém injustiças, como seja a ligada aos complementos de pensão, que feriu legítimas expectativas de militares. Tudo isto quando, simultaneamente, já foram publicados novos dispositivos legais que suscitam legítimos questionamentos, como seja o ligado com o abate aos quadros ou o ligado com o IASFA, entre outros exemplos. Ao mesmo tempo prossegue não só o discurso laudativo da participação e inserção externa nas suas diversas geometrias, como engrossa a voz para a necessidade de uma atitude firme da NATO face à Rússia, restando saber o que é que no concreto isto quer dizer.
Sobre o abate aos quadros por opção do próprio ressarcindo, justamente, a Instituição, a filosofia foi aumentar o conjunto de factores que contam para o cálculo do valor a ser pago. Se é certo que a Instituição não pode ser utilizada como uma mera escola de formação, finda a qual se sai para onde se é melhor pago, é certo também que: primeiro, é preciso medir os factores que contam para o cálculo desse valor, porque há custos que decorrem da função (por exemplo: se um militar é indicado para uma determinada formação decorrente da sua função e uns anos depois deseja o abate aos quadros, essa formação conta como factor para o ressarcimento?); segundo, não se vê que seja salutar para a Instituição emparedar de tal modo essa via de saída, fazendo com que na prática seja quase uma impossibilidade, mantendo nas fileiras pessoas que já não desejam lá estar. E não vale a pena argumentar com a saída dos pilotos, porque o dispositivo legal não é só a esses aplicável.
Perda de capacidades
Sobre a inserção e participação externa que tanto prestígio recolhe, incluindo o da necessidade do aumento das despesas, tem tido como resultado inversamente proporcional o do aumento das dificuldades das capacidades nacionais, nomeadamente na manutenção dos meios e no pessoal, incluindo a falta dele, a que acresce os vários problemas de natureza mais estritamente sócio-profissional.
Não vale a pena fingir sobre a realidade, nem ter tartufos pudores na abordagem da questão. A realidade é que, e mesmo abstraindo desta equação geral as premissas estabelecidas na Constituição da República Portuguesa (art.º 273.ª, art.º 9.º e art.º 7.º), para as grandes potências é possível ter uma amplitude de meios e forças que lhes permite responder no plano externo sem comprometer os seus interesses nacionais permanentes. A invasão progressiva, mas constante, dessas concepções para a realidade nacional, onde passou a ser quase crime «não ir, não estar, não dar», com tradução, nomeadamente, no modelo organizativo das forças armadas, nas opções de reequipamento e de manutenção, deram e estão a dar um forte contributo para a situação existente. A imagem grotesca disto é que temos prestígio externo, dizem, mas decide-se pôr um polícia marítimo nas ilhas selvagens. Podem os defensores de tal caminho continuar a insistir que a realidade não se altera por causa disso, mas ao que tal insistência pode conduzir é a uma perda ainda maior das capacidades nacionais de resposta aos interesses permanentes de Portugal enquanto país soberano e independente.
Em resultado do referendo no Reino-Unido, Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, veio com ar de caso, dedo em riste e voz grossa, avisar: «quem sair terá consequências». Do alto do seu pedestal, não aprendeu nada com o resultado. Não ouviu nada antes e não ouviu nada depois. Há no plano nacional quem faça o mesmo e julgue que a velha frase do «tudo como dantes, quartel-general em Abrantes» é eterna. A história não se repete, mas ensina.