Estranhos frutos nas árvores do Sul
Num poema de 1936, Abel Meeropol descrevia esta paisagem americana: «As árvores do Sul dão estranhos frutos / Sangue nas folhas e sangue nas raízes / Corpos negros a balançar na brisa do Sul / Estranhos frutos pendurados dos álamos». Oitenta anos volvidos sobre os anos Jim Crow, os negros linchados já não são pendurados nos ramos, como frutos, para que o mundo veja como é frutífera a árvore da «democracia ocidental». Agora tudo é diferente. Ora veja-se: Alton Sterling estava a vender CD na rua. Então, a polícia imobilizou-o no chão e executou-o à queima-roupa com seis tiros. Philando Castile, conduzia sem um dos faróis. A polícia mandou-o parar (como no passado já fizera, agora sabe-se, outras 52 vezes) e executou-o, com cinco tiros, à frente da namorada e da filha de quatro anos. A diferença é que, contrariamente a como dantes era, há hoje telemóveis, vídeos, Internet e muitas outras árvores de mais frondosos braços, para partilhar aos milhões a raiva e a revolta dos estranhos frutos do Sul.
Nesse ano de 1936, em que Meeropol escreveu o poema «Fruta amarga», calcula-se em quase 200 o número de negros assassinados como resultado do sistema racista. Só nos primeiros seis meses de 2016, 125 negros morreram às mãos da polícia, muitos deles em circunstâncias que, de Philando e Alton, diferem apenas no local, na hora ou no número de tiros. O que nos diria hoje o poeta? O mesmo que um dia adoptou os filhos do casal de comunistas Julius e Ethel Rosenberg, executados na cadeira eléctrica?
O sangue nacional e o sangue dos outros
Em Dallas, no passado dia sete, Micah Johnson, um veterano de guerra afro-americano, decidiu fazer vingança pelas próprias mãos matando cinco polícias e ferindo outros sete. O massacre, que culminou com a execução do suspeito com recurso a um robot-bomba, abateu-se sobre uma das corporações de polícia menos infestadas pelo racismo e num momento em que o movimento Black Lives Matter (literalmente «As Vidas dos Negros Importam» [n.d.t.]) exigia justiça nas ruas. Obama caracterizou o crime como uma «ameaça à segurança nacional». Contudo, os 338 homicídios a que, só este ano, a cidade de Chicago já assistiu (qualquer coisa como 13 por semana), não foram considerados uma questão de «segurança nacional». Será esta a explicação para os crimes racistas e para os já contumazes massacres? Uma cultura envenenada pelo racismo, pela violência e pela hipocrisia? Veja-se Obama, prémio Nobel da Paz, que recentemente, dizia, leviano, sobre a guerra na Líbia «Afinal sou mesmo bom a matar pessoas».
A máquina de guerra dos EUA é uma fábrica de assassinos treinados e traumatizados para resolver problemas a disparar. Quem se pode surpreender com o trágico desfecho de Dallas, quando são tantos, e sempre absolvidos, assassinatos de afro-americanos? Quando o racismo e o ódio são tão profundos? Quando as armas de guerra são tão comuns? Quando a sociedade está tão alienada e atomizada? Quem se pode surpreender quando um veterano de guerra volta para casa e traz a política externa e o terror com ele?
«Aqui está o fruto, para os corvos debicarem / Para a chuva recolher, para o vento sugar / Para o sol apodrecer, para cair das árvores / Eis uma colheita amarga e estranha».