Crianças e jovens<br>em risco

Rita Rato

No nosso País, o acompanhamento das crianças e jovens em situação de risco e perigo conquistou tardiamente consagração legal – Lei n.º 147/99. Anteriormente, o Decreto-lei n.º 189/91 que esteve na origem da criação das pioneiras «comissões de protecção dos menores1» remetia fundamentalmente a menores de 12 anos, reportava sobretudo a «estados de delinquência e paradelinquência2», apesar de definir «medidas relativamente a menores que sejam vítimas de maus tratos, de abandono ou de desamparo».

O PCP tem dado sempre particular atenção nesta matéria que é parte integrante dos direitos das crianças e ao longo dos anos tem sido permanente a monotorização da aplicação da lei de protecção de crianças em perigo, análise dos impactos do trabalho desenvolvido pelas comissões, dos avanços registados, do universo da sua acção, das principais dificuldades e obstáculos, da tipologia de problemáticas sinalizadas, da exigência e complexidade dos processos, da falta de condições materiais e humanas de funcionamento.

Concluímos que apesar do trabalho dedicado dos técnicos e em particular dos membros que integram a Comissão Restrita, do trabalho realizado na área da prevenção e dos esforços para um trabalho coordenado e articulado com as instituições da comunidade, a violência da situação económica e social e a falta de meios humanos tem esmagado a capacidade de intervenção efectiva da maioria das comissões. Esta situação foi ainda agravada pela decisão do anterior governo PSD/CDS de enviar para a dita «requalificação», na verdade despedimento encapotado, centenas de trabalhadores do Instituto da Segurança Social, de entre os quais técnicos com funções relevantes neste domínio como o caso das presidentes da CPCJ de Santiago do Cacém e Sines.

Ao longo dos anos, os técnicos envolvidos identificaram dificuldades, muitas vezes plasmadas nos Relatórios anuais de avaliação da actividade das CPCJ3:

  • Crescente complexidade e exigência no acompanhamento dos processos;

  • Significativa falta de técnicos a tempo inteiro nas comissões restritas, com prejuízo na salvaguarda da natureza multidisciplinar das equipas;

  • Crescentes dificuldades para os serviços de origem disponibilizarem tempo aos respectivos profissionais que integram as comissões restritas, devido à diminuição de efectivos, designadamente no Ministério da Solidariedade e Segurança Social e no Ministério da Saúde;

  • Escassez de meios técnicos, com disponibilidade para acompanhar de forma regular, efectiva e integrada cada processo;

  • Falta de respostas sociais que permitam um trabalho integrado com as famílias de origem das crianças e jovens sinalizados;

  • Crescente responsabilização das autarquias na dinamização das comissões restritas;

  • Falta de respostas de acolhimento temporário e de instituições para receber rapazes a partir dos 12 anos.

Os últimos dados disponíveis, relativos ao ano de 20144, apontam para cerca de 73 019 processos, traduzindo um aumento de 1452 processos. Na distribuição distrital, 10 das 14 CPCJ com mais volume de processos pertence a Lisboa: Amadora; Sintra Ocidental; Sintra Oriental; Loures; Lisboa Norte; Vila Franca de Xira; Lisboa Centro; Odivelas; Oeiras e Cascais. Seguidas de três CPCJ do distrito do Porto: Matosinhos; Vila Nova de Gaia Norte; e Gondomar; de registar ainda uma CPCJ da Região Autónoma dos Açores, Ponta Delgada.

As situações de perigo identificadas assentam maioritariamente em cinco problemáticas: exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e desenvolvimento da criança; negligência; situações de perigo em que esteja em causa o direito à educação; a criança/jovem assuma comportamentos que afectam o seu bem-estar; mau trato físico.

A protecção das crianças e a garantia efectiva dos seus direitos é obrigação constitucional do Estado, mas há ainda muito caminho para percorrer.

No nosso País os direitos existem na lei mas não na vida de milhares de crianças, que são marcadas por múltiplas formas de violência, discriminação e exclusão social. Este é um combate da democracia e da civilização, pelo que urge ultrapassar o patamar do «amor à camisola» e garantir dignidade, estabilidade e reconhecimento deste trabalho imprescindível de protecção das crianças e jovens em risco. Contem connosco.

1 http://www.cnpcjr.pt/preview_documentos.asp?r=1264&m=PDF;

2 Idem;

3 http://www.cnpcjr.pt/left.asp?14.04;

4 http://www.cnpcjr.pt/preview_documentos.asp?r=5603&m=PDF




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