Desporto para todos

Luís Ventura

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Onde quer que vi­a­jemos na His­tória, o des­porto ou formas apro­xi­madas deste estão pre­sentes nas di­fe­rentes so­ci­e­dades e co­mu­ni­dades. Em Por­tugal, em torno do des­porto reúne-se uma par­cela sig­ni­fi­ca­tiva do mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo, sendo um im­por­tante eixo de con­vívio das po­pu­la­ções. O des­porto e a ac­ti­vi­dade fí­sica são, sem dú­vida, um dos meios pelo qual o povo se ex­prime e se de­sen­volve, in­di­vi­dual e co­lec­ti­va­mente.

A partir do 25 de Abril de 1974, o povo, dando nova di­nâ­mica à luta que já vinha re­a­li­zando contra o fas­cismo, ex­primiu-se am­pla­mente, uma re­a­li­dade pre­sente também no des­porto. Para além da efec­ti­vação da li­ber­dade de as­so­ci­ação em torno de mo­da­li­dades, da li­ber­dade sin­dical e di­reitos la­bo­rais para os seus pro­fis­si­o­nais, saiu do pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário e con­sa­grado na Cons­ti­tuição o di­reito à cul­tura fí­sica e ao des­porto, e a ne­ces­si­dade de haver meios e uma po­lí­tica para que se possa usu­fruir desse di­reito. O des­porto para todos é também parte da luta do povo por­tu­guês pela sua li­ber­tação.

No en­tanto, com o apro­fun­da­mento do pro­cesso contra-re­vo­lu­ci­o­nário, o ca­pi­ta­lismo tem vindo a cor­roer estes prin­cí­pios, trans­for­mando o des­porto em mais uma fer­ra­menta de ne­gação da con­dição hu­mana. Os atletas tornam-se mer­ca­doria, os adeptos e só­cios em fontes de ren­di­mento, e as es­tru­turas dos clubes em em­presas, per­dendo-se a par­ti­ci­pação, em­po­bre­cendo a de­mo­cracia. A pressão com­pe­ti­tiva e fi­nan­ceira andam juntas, o «ga­nhar» so­brepõe-se a qual­quer valor, porque só assim se ga­rante in­ves­ti­mento do grande ca­pital. Neste con­texto, o an­ti­des­por­ti­vismo passa a ser ape­li­dado de men­ta­li­dade ven­ce­dora, e a cor­rupção e a ba­tota surgem como algo na­tural ao ponto de serem vistas como uma ne­ces­si­dade para se cum­prirem os ob­jec­tivos pes­soais e das equipas. Pres­siona-se mi­lhares de jo­vens na sua for­mação atlé­tica, cri­ando neles a am­bição de se tor­narem es­trelas, e atro­fi­ando ou­tras com­po­nentes do seu cres­ci­mento em troca de vi­tó­rias. Esta falta de ética ex­tra­vasa de­pois para a res­tante so­ci­e­dade, com o au­xílio da co­mu­ni­cação so­cial que dá horas in­ter­mi­ná­veis de co­men­tário de uma muito li­mi­tada se­lecção des­por­tiva, e mesmo dentro dessa se­lecção, ra­ra­mente fa­lando sobre a ac­ti­vi­dade pra­ti­cada em si, antes pro­mo­vendo o es­cân­dalo como forma de en­tre­te­ni­mento. A in­dús­tria do des­porto torna-se assim um veí­culo muito eficaz e comum por onde a ali­e­nação se ma­ni­festa, afas­tando das mentes das pes­soas os seus pro­blemas, e co­lo­cando no seu lugar os pro­blemas que são cri­ados por um circo mo­derno, fa­zendo com que estas percam ener­gias num es­pec­tá­culo que não con­trolam e em que não par­ti­cipam ver­da­dei­ra­mente.

Por uma vida me­lhor

Mas o des­porto tem um papel digno a cum­prir no de­sen­vol­vi­mento hu­mano, de ocu­pação sau­dável dos tempos li­vres, como forma ami­gável de com­pe­tição, de ca­ma­ra­dagem e fra­ter­ni­dade, da trans­po­sição de li­mites apa­ren­te­mente ina­tin­gí­veis e na iden­ti­dade de uma co­mu­ni­dade, re­al­çando os va­lores que as movem, e é isso que tem que ser re­cla­mado. O mo­tivo que faz do des­porto um as­pecto tão pre­sente nas nossas vidas é a razão pela qual ele é também um palco de luta. Desde um acto icó­nico como os pu­nhos le­van­tados nos Jogos Olím­picos de 1968 por atletas ame­ri­canos pelos di­reitos hu­manos no seu país, ao tor­neio re­cen­te­mente re­a­li­zado cá em so­li­da­ri­e­dade com a Ve­ne­zuela bo­li­va­riana, mostra como o des­porto é um meio que serve não para des­viar forças, mas sim para as au­mentar na luta por uma vida me­lhor. É para vi­verem me­lhor que as pes­soas correm no seus tempos li­vres, é para uma vida mais feliz que as pes­soas se juntam para a prá­tica des­por­tiva. E é por esta força que o des­porto tem na saúde, na per­so­na­li­dade e na in­clusão das pes­soas que o Es­tado e as es­colas têm que ter uma grande res­pon­sa­bi­li­dade na de­fi­nição de po­lí­ticas des­por­tivas e de edu­cação fí­sica. Na va­lo­ri­zação do des­porto, va­lo­riza-se a con­dição hu­mana e como os co­mu­nistas lutam pela eman­ci­pação plena da Hu­ma­ni­dade, que se apro­veite o 40.º ani­ver­sário da Cons­ti­tuição para re­cordar e lutar pelo des­porto para todos.

 



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