Um país a minguar
Talvez porque se celebrava o Dia da Mãe, porventura também porque se festejava o Dia do Trabalhador, no passado domingo diversos canais portugueses de televisão abordaram a questão da natalidade no nosso País, alguns transmitindo mais ou menos extensas reportagens específicas, outros nem tanto, mas todos eles referindo o assunto com maior ou menor atenção. O caso, como aliás é bem sabido, é que o número de portugueses tem vindo a reduzir-se, pelo menos se forem contabilizados apenas os residentes no território nacional e não também os que partiram para outras terras na busca mais ou menos angustiada de sobrevivência com menor sufoco, assim engrossando o movimento agora um pouco romanticamente designado por «diáspora». De resto, também se sabe bem que o decréscimo populacional tem vindo a preocupar muita gente, desde cidadãos especialmente atentos ao fenómeno na sequência da sua própria especialização técnica até ao inesquecível professor Cavaco que por mais de uma vez se arredou um pouco das suas Economias «made in thatcherland» e invadiu por momentos outras áreas. É legítimo supor que também ele terá ouvido dizer que, a prosseguir a redução do número de portugueses a viver para cá das diversas raias, num dia por agora situado para lá do horizonte temporal definível com rigor mas já pressentível os cidadãos restantes não bastarão para cuidar dos então já velhos e inoperantes e/ou para assegurar o desenvolvimento das diversas actividades tanto quanto será necessário. E esse risco por enquanto remoto mas já detectável será ainda maior porque, nessa circunstância, terão partido antes dos mais os com maior qualificação, os mais competentes, os mais capazes de terem êxito no Lá Fora. Isto é, os que farão maior falta.
Uma roleta sinistra
Foi, pois, sobre este assunto a surgir já como grave problema nacional que se debruçaram, uns mais que outros, os diversos canais, e debruçando-se procuraram identificar-lhe as causas. Infelizmente, porém, nem sempre essa identificação terá sido feita com adequada atenção aos diversos motivos da queda da natalidade no nosso País. Procurando um exemplo disso, refiramos que foi apontado a efectiva ou suposta apetência dos jovens actuais para «gozarem a vida» (talvez amores, talvez viagens, talvez qualquer outro prazer) antes de se renderem aos deveres da vida familiar e sobretudo às obrigações da maternidade e da paternidade. Não se duvida que esse factor exista, mas é de crer que seja mínimo, quase irrelevante, em confronto com outros motivos que, tendo sido também mencionados por todos os canais em geral, em nenhum deles o foram com o relevo e a intensidade necessários. E, contudo, todos os conhecemos. Sabemos com clareza muitas vezes dolorosa que os jovens casais não têm filhos, ou temem arriscar-se a ter mais de um, porque a sua vida não tem elementares condições de estabilidade: porque não sabem durante quanto tempo terão emprego; porque não sabem durante quanto tempo terão garantidamente um tecto (questão que não se coloca apenas com um apartamento comprado mas também com a acessibilidade do custo do aluguer depois da Lei do Arrendamento Urbano que a então ministra Cristas impôs); porque não sabem se ou quando terão de socorrer os seus pais idosos em tendencial ou efectiva situação de penúria ou de desprotecção. Essa gente que vem mandando nas sociedades ocidentais costuma repetir em tom triunfante que «acabou o emprego para uma vida». Convém lembrar que esta fórmula significa que acabou a probabilidade de um percurso existencial com a mínima solidez que um projecto de vida exige e que essa solidez inclui o direito a ter filhos sem os arriscar a muitos, imprevisíveis e agrestes riscos. É de facto uma fórmula que lança a vida de cada um de nós numa espécie de roleta sinistra de que os grandes interesses são o «croupier». De uma roleta onde muitos hesitam em lançar o destino dos filhos com que sonham.