Leite e suinicultura com a corda na garganta

O País tem direito a produzir

O PCP considera que urge, mais do que nunca, salvaguardar os sectores produtivos, exortando o Governo a não poupar esforços para defender o direito do País a produzir e a assegurar a soberania alimentar.

Há que defender o direito à produção e à soberania alimentar

O direito à produção é a primeira de um conjunto de medidas que o Grupo Parlamentar do PCP aponta como prioritárias com vista a dar resposta à situação de verdadeira emergência em que se encontram a produção leiteira (que paralelamente também produz carne) e a suinicultura.

Estes dois importantes sectores vivem hoje com a corda na garganta, não obstante a sua capacidade de abastecimento do País e de serem dos «mais modernos e organizados da Europa», como salientou anteontem, no Parlamento, o deputado comunista João Ramos na declaração política sobre o tema proferida em nome da sua bancada.

A modernização das explorações em ambos os sectores foi alcançada à custa do endividamento de muitos produtores a quem foi garantido pelos responsáveis governativos que esse seria o caminho que conduziria ao sucesso. No caso do leite, por exemplo, muitos produtores endividaram-se inclusivamente para «comprar quotas que agora de nada valem», lembrou o parlamentar do PCP, que não deixou de lamentar que tendo sido a União Europeia a criar o problema (por via dos mecanismos de integração) venha agora lavar as mãos e remeter a solução para os estados-membros.

Reagindo a essa resposta institucional ao problema por parte do conselho de ministros da Agricultura, João Ramos disse ser «confrangedor» ver aquele órgão a não tomar decisões e a dizer que não há dinheiro disponível face a uma verdadeira emergência, isto depois de ter usado o dinheiro destinado a intervir em situações de emergência para pagar as implicações das decisões políticas do embargo à Rússia.

«Como terá futuro uma Europa que arranja milhões quando os especuladores estão aflitos mas não consegue arranjar tostões se essa aflição estiver do lado dos produtores?», questionou o deputado do PCP, que recordou ainda que à situação de aflição actual dos produtores não é igualmente alheio o fim do regime das quotas leiteiras decidido em 1999 e confirmado desde então por sucessivos governos, sem que nenhum tivesse erguido a voz ou votado contra essa medida que veio a efectivar-se no final de Março de 2015.

Silêncio cúmplice

O problema vem, pois, muito de trás, não começou agora, ao contrário do que quis dar a entender o deputado Abel Baptista (CDS), que, interpelando João Ramos, aludiu ao apoio em quatro milhões de euros concedido aos agricultores pela anterior titular da pasta, contrapondo-o à alegada inexistência de medidas até ao momento por parte do Governo.

A resposta não se fez esperar com o deputado comunista, demonstrando as responsabilidades de PSD e CDS pelo quadro de dificuldades actual, a recordar que o leite há já seis anos que é pago abaixo da média europeia e a anotar que aqueles partidos se desdobram hoje em recomendações ao Governo, por tudo e por nada, mas no último conselho de ministros da Agricultura em que participou, em Setembro último, a ministra Assunção Cristas não teve uma palavra para os problemas dos suinicultores.

Uma diferença assinalável ficou ainda registada no debate quando João Ramos – em resposta ao deputado do PSD Nuno Serra, que desafiara a bancada comunista a apresentar propostas – sublinhou que a «intervenção institucional do PCP em defesa da produção nacional vem de longe», como de longe vem o seu apoio activo e solidário à luta dos agricultores em defesa das suas explorações e do direito à produção nacional.


O que falta fazer

Assegurar o direito a produzir constitui uma medida de primordial importância para o País, sob pena de ser o próprio desenvolvimento deste e a sua soberania a serem postos em causa. Este é um princípio basilar, na perspectiva do PCP, para quem é inaceitável admitir sequer como solução qualquer redução voluntária da capacidade produtiva. Disse-o João Ramos, ciente de que esse «é o tipo de proposta que interessa aos países, grandes produtores, do centro e Norte da Europa», os mesmos que as instituições europeias protegem e defendem.

«Por cada litro de leite consumido em Portugal que o País não tenha capacidade de produzir, é um litro mais que não deixará de ser produzido na Irlanda ou na Holanda», destacou o deputado comunista, mostrando-se inconformado pela duplicidade de critérios na aplicação de regras comunitárias que faz com que haja inibições que só se colocam a Portugal.

Contestou mesmo o argumento de que essas «regras europeias e o mercado único» sejam impeditivos de uma actuação soberana, trazendo à colação o exemplo de Espanha que adoptou um conjunto de medidas que bloqueiam a entrada na Galiza do leite português. «Em 2015, deixaram de entrar em Espanha 100 milhões de quilos de leite nacional por interferência directa e indirecta do governo de Espanha e do governo regional da Galiza», informou, citando a este propósito palavras de um dirigente da CNA, na manifestação realizada no passado dia 14, quando este diz que «enquanto as autoridades espanholas fiscalizam os auto-tanques com leite português, as autoridades portugueses fiscalizam os tractores que se manifestam em defesa da produção nacional».

Custo insuportável

O elevado custo dos factores produção – energia, combustíveis, rações – é outra das faces do problema actual, segundo João Ramos, que assinalou serem estes «dos mais caros da Europa». É o caso da alimentação animal em relação à qual há um défice que importa corrigir, dado ser quase toda importada e ter um peso grande na totalidade dos custos de produção. Exigiu por isso medidas que reduzam o peso destes custos de produção.

A terceira grande medida para a resolução dos problemas dos sectores do lei e da carne de porco passa, por fim, no entender do parlamentar comunista, por uma actuação corajosa junto da grande distribuição, sector que continua a acumular lucro enquanto aqueles que produzem só acumulam prejuízos. «Tem de haver exigência na rotulagem da produção nacional, tem que se verificar se não há dumping na importação de carne e leite que faz baixar os preços pagos em Portugal, tem de haver da parte da ASAE uma maior atenção através de uma acção forte, visível e dissuasora», sustentou, defendendo, simultaneamente, uma intervenção nos prazos de pagamento, para que os produtores não continuem a receber tarde e a más horas.

Trata-se,em síntese, para o PCP, de rever a distribuição de valor ao longo da cadeia do agroalimentar, por forma a «intervir politicamente com vista a que essa distribuição seja justa».


 À beira da ruína

Em resultado da integração na União Europeia e da Política Agrícola Comum foram liquidadas mais de 60 000 explorações leiteiras. Hoje não chegarão às 6000, o que atesta bem a dimensão do processo destrutivo que atingiu os nossos campos. João Ramos levou a plenário outros indicadores que ajudam a compreender o quadro de dificuldades e a situação dramática que atinge um sem número de produtores. Os que produzem leite, por exemplo, para obter um quilo deste bem alimentar gastam 35 cêntimos, mas na hora de o vender apenas recebem 22 cêntimos.

Quadro igualmente problemático é o da suinicultura. O efectivo suíno foi reduzido em 25 por cento nos últimos 25 anos, passando os níveis de auto-abastecimento de carne suína de 90 para 60 por cento.

Os produtores de carne suína gastam em média um euro e meio para produzir um quilograma de carne, não ultrapassando porém um euro e 10 cêntimos, no máximo, quando se trata de a comercializar. Situação que ocorre porque entra em Portugal carne de porco proveniente de outros países que as cadeias de grande distribuição utilizam através de promoções agressivas para atrair clientes noutros produtos.


Ouvir e agir

Esta segunda-feira, na véspera de levar o assunto ao plenário da AR em declaração política, o Grupo Parlamentar do PCP promoveu uma audição sobre os problemas dos sectores produtivos do leite e suinicultura.

Foi um importante momento de reflexão que permitiu, ao longo de 17 intervenções, não só um conhecimento mais aprofundado sobre a situação dramática em que se encontram aqueles sectores, como identificar as principais medidas susceptíveis de superar os actuais estrangulamentos e problemas.

Estiveram presentes a ADACO – Associação Distrital de Agricultores de Coimbra; AJADP – Associação de Jovens Agricultores do Distrito do Porto; ANIL – Associação Nacional das indústrias de Lacticínios; APPLC – Associação Portuguesa de Produtores de Leite e Carne; APROLEP – Associação dos Produtores de Leite de Portugal; Associação dos Agricultores do Distrito de Setúbal; CAVAGRI – Cooperativa Agrícola do Alto Cávado; CAVIVER – Cooperativa Agrícola de Vila Verde; CNA – Confederação Nacional da Agricultura; CONFAGRI – Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Portugal; Exploração Agrícola Teixeira Batel; FENALAC – Federação Nacional das Cooperativas de Leite e Lacticínios, entre outros produtores que participaram a título individual.

 

 



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