Mais de um milhão e 200 mil trabalhadores
no carrossel da precariedade

Um fenómeno sem idade

A precariedade tem vindo a generalizar-se de forma rápida e profunda a todos os sectores de actividade económica, assumindo múltiplas formas e expressões. O tema esteve em debate, no sábado, 20, em Lisboa, por iniciativa do PCP.

A precariedade anda de mão dada com a taxa de desemprego

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No debate, no âmbito da campanha «Mais direitos, mais futuro. Não à precariedade», estiveram mais de 200 pessoas. A mesa era composta por Ana Sofia, da Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP, Américo Flor, da Direcção da Organização Regional de Setúbal do PCP, Paulo Raimundo, da Comissão Política do Comité Central do PCP, Rita Rato, deputada do PCP na Assembleia da República, Helena Casqueiro, do Secretariado da Direcção Nacional da JCP, e Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP.

A abrir os trabalhos, Paulo Raimundo afirmou que a precariedade «anda de mão dada com a taxa de desemprego» e «quanto maior é o desemprego mais frágeis tendem em ser os vínculos laborais». De igual forma, a precariedade «cresce em função do ataque à contratação colectiva», deixando «espaço aberto para o aumento do roubo de direitos».

«É um flagelo que afecta todos, os mais novos e os mais velhos, os trabalhadores com vínculos precários, e funciona como um cutelo aos vínculos efectivos. Um flagelo que não é de agora e que há muito se manifesta» e, como tal, «há muito que lhe damos combate», salientou o dirigente comunista, lembrando as consequências da introdução dos contratos a prazo e dos recibos verdes. «As relações de trabalho, ditas modernas, mais não são do que formas de aumento da exploração», acrescentou.

Sobre a campanha que se iniciou no dia 18, Paulo Raimundo sublinhou que a mesma pretende afirmar as propostas do PCP e procurar novas soluções para os problemas criados. «Esta é uma campanha que vamos desenvolver de forma intensa», para que «cheguemos ao fim com mais Partido nas empresas e mais trabalhadores como nossos militantes», assegurou.

Intervir

Rita Rato frisou, de igual forma, que a luta contra a precariedade, pelo emprego com direitos, se tem desenvolvido a partir dos locais de trabalho e da intervenção dos sindicatos.

«A intervenção das instituições, designadamente na Assembleia da República (AR), pode e deve contribuir para esse combate, através da denúncia de situações concretas nos locais de trabalho e da exigência de cumprimento dos direitos dos trabalhadores, através de alterações às leis para reforçar e proteger os trabalhadores», referiu a deputada comunista, sublinhando que o trabalho do PCP na AR «obedece à realidade concreta», porque «é a partir dela que intervimos, para que seja possível revolver, quer no imediato, quer no médio e no longo prazo, problemas concretos».

Exemplo dessa intervenção, que suscitou a intervenção do governo através da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), foram as perguntas sobre os contact center da EDP, em Lisboa e Odivelas, e da Vodafone; sobre as cantinas escolares na região Centro; sobre os professores com actividades de enriquecimento curricular contratados a recibos verdes por empresas de trabalho temporário; sobre as trabalhadoras da Conforlimpa; sobre situações de serviços públicos concretos, como escolas, hospitais, serviços da Segurança Social, e, mais recentemente, sobre uma empresa que oferece estágios de dois dias, que é «uma inaceitável situação de exploração».

Exploração

Na sua intervenção, Rita Rato referiu ainda que em Portugal há mais de um milhão e 200 mil trabalhadores precários. «A precariedade tem servido uma estratégia de sucessivos governos para substituir trabalhadores com direitos, agravando as condições de trabalho e a vida de milhares de pessoas no nosso País», acusou, afirmando que «a precariedade laboral constitui, por isso, um dos traços mais marcantes da situação social do País e da exploração a que os trabalhadores têm sido sujeitos».

A deputada acusou por isso o anterior governo, PSD/CDS de ser responsável, agravando opções anteriores, por sucessivas alterações à legislação laboral, «sempre com o objectivo da generalização da precariedade, degradação das condições de trabalho e tentativa de liquidação de direitos laborais e sociais». Referia-se às alterações ao Código do Trabalho, generalização do recurso ilegal à precariedade, embaratecimento e facilitação dos despedimentos, agravamento das condições de articulação entre a vida pessoal, familiar e laboral.

Por último, alertou para o facto de faltaram mais de 200 inspectores da ACT, o que permite «a impunidade em muitos locais de trabalho». «A inoperância da ACT tem servido o objectivo do patronato e de sucessivos governos, e isso tem permitido o recurso da generalização da precariedade, a violação de direitos fundamentais, a violação de direitos de maternidade e paternidade», denunciou, concluindo: «A alternativa ao desemprego não é a precariedade, é o emprego com direitos».


Desvalorização do trabalho

No debate, um dos temas mais abordados foi o recurso ilegal à precariedade para suprir necessidades permanentes dos serviços públicos. Esta opção radica numa estratégia de desvalorização do trabalho e de generalização da precariedade, mas também de uma política de destruição das funções sociais do Estado, assente no esvaziamento e delapidação dos serviços públicos, com vista ao seu encerramento e privatização.

De acordo com Diana Simões, entre 2011 e 2015 foram destruídos cerca de 78 mil postos de trabalho na Administração Pública, que «asseguravam o funcionamento de escolas, centros de saúde e serviços da Segurança Social».

Por seu lado, João Martins, do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, informou que na quinta-feira, 18, no âmbito da acção da campanha do PCP, um trabalhador o abordou para denunciar o facto de a Câmara de Sintra estar a utilizar contratos de emprego e inserção para satisfazer necessidades permanentes. Através de uma empresa de trabalho temporário, aquele trabalhador labora a tempo inteiro por três euros à hora.

Luís Leitão, da União de Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN, revelou por seu turno que no distrito de Setúbal «existem cerca de seis mil trabalhadores a prestar estas funções», ou seja, «estão a ocupar postos de trabalho permanente, com vínculos altamente precários».

Intervenção marcante foi também a de Tiago Matos, ferroviário da EMEF, precário. «Na oficina de Oeiras, onde eu estou inserido, 25 por cento dos operários são precários», disse, criticando o facto de aquela empresa, que deveria dar o exemplo, empregar trabalhadores, dar-lhes formação e, passado um ano, os despedir. «Como é que no futuro podemos garantir a continuidade dos serviços públicos de transportes no nosso País?», interrogou.

Comunicação social

Ao debate chegou ainda o testemunho de um jovem trabalhador da RTP, também ele precário, que contesta o facto de a estação pública estar a contratar fora aquilo que tem dentro e não aproveita.

Ana Goulart, jornalista, sublinhou que as razões da precariedade laboral na comunicação social não são diferentes das de outros sectores de actividade. «Os patrões querem manter o lucro e um ou outro precisa de manter presença no sector da comunicação social», afirmou, lembrando que «nos anos de 2014 e 2015, mais de quatro centenas de trabalhadores da comunicação social foram despedidos, três centenas dos quais jornalistas». «Destes trabalhadores despedidos muito poucos voltam às redacções, e os que voltam regressam em condições de precariedade», alertou.

Neste mundo, também os trabalhadores das artes e espectáculos são alvo da precariedade. João Barreiras, técnico de iluminação, denunciou os falsos recibos verdes de prestação de serviços nas empresas que produzem as telenovelas da TVI, SIC e RTP.


«É pela luta que lá vamos»

Neste debate também se valorizaram as vitórias alcançadas. Ricardo Moreira, do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio (CESP), falou de uma luta travada pelos trabalhadores dos entrepostos do Lidl que, depois de uma batalha em tribunal, conquistaram o direito a 15 minutos de pausa.

Também os trabalhadores da FNAC e da DHl, com contratos precários, passaram a efectivos. «Não existem trabalhadores precários, mas sim vínculos precários, que são ilegais», afirmou. Uma ideia partilhada por Américo Flor, também do SITE Sul/CGTP-IN, e por Amável Alves, que abordou ainda a temática do direito à contratação colectiva.

Filipa Costa, da Interjovem/CGTP-IN, deu o exemplo da Teleperformance, um call center prestador de serviços, que, perante a obrigação de aumentar o salário mínimo para 530 euros, ameaçou retirar o prémio de assiduidade. «Nesta empresa, em que o trabalho do CESP é quase clandestino, os trabalhadores mexeram-se e viram ser reposto os prémios de assiduidade», valorizou.

Também a luta dos reformados da Carris e do Metro deu frutos, uma vez que vão voltar a receber a pensão na íntegra, após dois anos de cortes. Manuel Leal, da Fectrans, sublinhou que «este deve ser um exemplo para todos. É pela luta que lá vamos.»

Outras lutas ainda não deram os resultados pretendidos. No entanto os trabalhadores não desarmam. Na Groundforce, onde a precariedade impera, como foi denunciado, tem-se realizado acções de luta em defesa do cumprimento do horário de trabalho e pelo aumento dos salários. Outra das reivindicações é a passagem dos trabalhadores com vínculo precário ao quadro de efectivos, desde que se prove que estão a ocupar postos de trabalho permanentes.

Como disse Diogo Correia, da Direcção Nacional da JCP, «a luta centenária contra a precariedade mantém toda a actualidade».




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