da Procriação Medicamente Assistida
Um debate a aprofundar
Estão na comissão parlamentar competente, para onde baixaram no dia 27 de Novembro, sem votação na generalidade, por um período de 90 dias, após apreciação na véspera em plenário, os projectos de lei do PS, BE, PEV e PAN que alargam o acesso à procriação medicamente assistida (PMA).
Os projectos de PS, PEV e PAN alargam as técnicas de procriação medicamente assistida a todas as mulheres, independentemente da orientação sexual e estado civil, enquanto a iniciativa do BE prevê ainda a regulação da gestação de substituição no caso de impedimento de uma gravidez por «ausência de útero, de lesão ou doença deste órgão». A maternidade de substituição só é possível a título generoso, de acordo com o diploma do BE, que prevê punição com «pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias» a quem comercialize esse acto.
Definindo a posição do PCP quanto às propostas em debate, a deputada comunista Paula Santos reiterou a recusa em proceder a uma «discussão desta matéria em função do que é natural», esclarecendo, por outro lado, não estar a apreciação da sua bancada dependente de «qualquer consideração sobre a concepção e modelo de família», como aliás atesta a proposta há muito por si apresentada para que as mulheres sozinhas, com um diagnóstico de infertilidade, possam aceder às técnicas de PMA, ou, ainda há duas semanas, ter acompanhado as iniciativas que possibilitam a adopção por casais do mesmo sexo. Por si sublinhada foi ainda uma outra evidência relativamente à postura da sua bancada: a inexistência de uma «posição absoluta e fechada sobre matérias que estão em constante evolução e relacionadas com a dinâmica da própria sociedade».
Técnicas subsidiárias
Abordando o que considerou ser a «questão de fundo», Paula Santos chamou a atenção para a «alteração de entendimento» subjacente às mexidas na lei agora propostas no que se refere à «natureza e finalidade das técnicas de PMA». Em causa, especificou, está o facto de este deixar de ser um «método subsidiário de reprodução» e passar a «tornar-se um método alternativo e/ou complementar de reprodução». Ora é aqui que as dúvidas se levantam, uma vez que, observou, as técnicas de PMA «desenvolveram-se ao longo de décadas para responder a problemas de infertilidade» (a lei admite apenas uma excepção: evitar a transmissão de doenças graves a descendentes), ou seja, aplicam-se para resolver problemas de saúde.
Ainda a este respeito, a deputada do PCP lembrou que, aquando da elaboração da lei, «fundamentava-se a subsidiariedade da utilização das técnicas de procriação medicamente assistida no princípio da não instrumentalização do ser humano e dos seus órgãos reprodutivos», critério esse, frisou, que «se tem mantido».
Debate em aberto
Já quanto à gestação de substituição, sem deixar de reconhecer o «esforço e avanço em alguns aspectos concretos» registados no âmbito do grupo de trabalho criado na legislatura anterior, Paula Santos afirmou também a persistência de «algumas dúvidas, em particular com as especificidades desta técnica».
«A gestação de substituição tem implicações que não podem ser ignoradas e que exigem uma reflexão acrescida», considerou a deputada do PCP, observando que nesta técnica há a presença de uma terceira pessoa – uma outra mulher que intervém no processo de gravidez –, o que do seu ponto de vista «introduz um conjunto de potenciais conflitos e questões éticas» que não podem ser ignorados.
Paula Santos não deixou de reconhecer, por fim, que há «múltiplas questões» que continuam em aberto, tal como permanecem «dúvidas», pelo que não pode haver lugar a «uma posição definitiva», sendo necessário «aprofundar a discussão».
Daí a inteira disponibilidade manifestada pela bancada comunista para aprofundar o debate, a reflexão colectiva, incluindo com as «associações e entidades, o meio académico e científico».
Pelo reforço dos meios
Um enorme avanço no plano dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como da medicina, que abriu novas perspectivas na vertente técnica e científica, assim avalia o PCP a aplicação da lei que regula, desde 2006, a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida.
Um balanço «muito positivo» que se traduziu inclusivamente numa «enorme evolução» também no plano social, cultural e do conhecimento, como sublinhou Paula Santos, que não escamoteou em todo o caso a necessidade de introduzir aperfeiçoamentos na legislação.
É que apesar de todos os avanços que a lei permitiu, «continuam a existir famílias que, cumprindo os requisitos exigidos, não têm acesso às técnicas de procriação medicamente assistida».
Dificuldades no acesso às técnicas de PMA que resultam, entre outros factores, segundo a deputada comunista, da reduzida capacidade de resposta dos centros públicos, das crescentes dificuldades económicas das famílias que as levam a interromper o tratamento, da própria distribuição assimétrica dos centros públicos pelo País (por exemplo, são inexistentes nos Açores, Alentejo e Algarve). A tudo isto soma-se a existência de listas de espera, com maior expressão nas regiões onde se verifica uma maior afluência aos centros públicos, como na região de Lisboa e Vale do Tejo, ainda que este fenómeno seja também uma lamentável realidade noutros centros, como, segundo dados do início de 2015, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (seis a sete meses), no Centro Hospitalar Lisboa Norte (18 meses), no Centro Hospitalar Lisboa Central (10 meses), no Hospital Garcia de Orta (12 meses).
Daí Paula Santos ter sublinhado a necessidade de reforçar a capacidade dos centros públicos de PMA, dotando-os dos meios humanos e técnicos que permitam responder às necessidades, como aliás consta de uma recomendação da AR aprovada a partir de uma iniciativa do PCP.