Segurança alimentar

Correia da Fonseca

Talvez por cansaço da abordagem de temas políticos, talvez por algum peculiar fastio perante o actual encaminhamento da vida política portuguesa, o «Prós e Contras» da passada segunda-feira ocupou-se da «segurança alimentar», como desde logo era anunciado no próprio título da emissão. Como facilmente se adivinhava, a escolha do tema tivera a ver com as recentes notícias acerca da inconveniência de comermos carnes, designadamente sob certas formas, e também da inconveniência de comer peixe, sobretudo acima de certas quantidades e por razões de índole ecológica. Esta variação de ementa televisiva aceita-se bem, tanto mais que a actuação do Governo há dias empossado pelo senhor PR está em risco de não chegar a acontecer ou desse chamado executivo ser ruim defunto com o qual nem vale a pena gastar cera. Cedo se verá, enfim. Pelo que entretanto «Prós e Contras» optou por servir à nossa mesa televisiva a carne e o peixe que recentemente se tornaram temas mediáticos, condimentados pelas palavras decerto sábias e úteis de quem, para as proferir, tem autoridade mais generalizadamente reconhecida que quando os assuntos em debate são outros e os intervenientes na discussão são mais indigestos. Quanto à carne e ao peixe não televisivos, concretos e comestíveis, continuam a ter presença menos frequente no prato dos portugueses, pelos vistos indiferentes à muito invocada retoma, mas essa é questão mais difícil de trazer ao «Prós e Contras», como facilmente se compreende.

Um outro tema

Entretanto, na mais recente emissão do programa «Sexta às 10» (na RTP3, a anterior RTP Informação depois de metamorfoseada, sendo que a metamorfose e as mãos que dominam este canal podem justificar a nossa atenção, um dia destes se verá) foi falada com adequado relevo uma questão que tem mais a ver com alimentação do que à primeira vista pode parecer. É o caso de, segundo nos foi dito, por deficiências de ordem burocrática ter ocorrido um significativo atraso no pagamento de subsídios que «são fundamentais para a subsistência» (sic) dos respectivos beneficiários, com perdão da palavra que é excessiva. É certo que, apesar do atraso denunciado, os tais beneficiários subsistiram, isto é, não consta que tenha havido falecimentos por défice de alimentação ou tenha sido registado surto de doenças ocasionadas por escassez de comida, mas é mais que provável tenha acontecido fome ou, dizendo com mais rigor, ainda mais fome do que é costume. Assim, é óbvio estar-se perante uma situação que põe em questão a «segurança alimentar», não no sentido e no plano abordados pelo «Prós e Contra» mas sim no quadro mais exigente onde se inscreve o direito de qualquer cidadão português a ter os meios que lhe permitam este acto verdadeiramente fundamental: comer. Dir-se-á, e bem, que a situação abordada no «Sexta às 10» foi acidental, decerto remediada com maior ou menor prontidão (e talvez se murmure também que, caso tenha havido casos de criaturas sem acesso a comida durante uns dias, isso é gente habituada a situações dessas pelo que não se justificam grandes alarmes), mas o episódio, chamemos-lhe assim, suscita um tema de mais ampla dimensão e de abordagem há muito tornada imperativa: a da presença da fome em Portugal não de uma forma esporádica, mas sim permanente e consolidada, em áreas e segmentos da população que não é difícil identificar. Sendo assim, quase se pode dizer que é de muito espantar que a RTP, que é operadora pública, através do «Prós e Contras» ou não, nunca se tenha aplicado a abordar com adequada minúcia essa outra «questão alimentar». Não é duvidoso que acerca do assunto muito haja para conhecer, que muito esteja a ser ocultado, nem que seja urgente e inadiável a abordagem do tema. Porque, enfim, há portugueses com fome e a RTP parece esquecer-se disso. Ou fazer com que disso nos esqueçamos.




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