Guiné-Bissau ultrapassa crise
No momento em que passa o 42.º aniversário da proclamação do Estado da Guiné-Bissau, os dirigentes guineenses procuram ultrapassar mais uma crise no país.
Carlos Correia, 1.º vice-presidente do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), indigitado por este partido, foi escolhido para primeiro-ministro e encarregado de formar um novo governo. O experiente político – tem 81 anos, é engenheiro agrónomo, chefiou o governo em três outras ocasiões, é um veterano da luta de libertação nacional – deverá oferecer pastas ministeriais a outras formações, incluindo o PRS (Partido da Renovação Social), a maior força da oposição parlamentar.
A crise política e institucional foi desencadeada a 12 de Agosto, quando o presidente da República, José Mário Vaz, demitiu o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, que conquistara nas eleições de 2014 a maioria de deputados na Assembleia Nacional Popular.
Vaz, alegando incompatibilidades com Pereira, escolheu logo a seguir um primeiro-ministro, Baciro Dja, tal como ele também do histórico partido, e empossou o novo governo, com ministros do PAIGC e do PRS. Contudo, 48 horas depois, o Supremo Tribunal de Justiça deliberou por unanimidade a anulação da nomeação de Dja, por considerá-la inconstitucional, o que provocou a demissão do recém-formado gabinete.
O presidente pediu então ao PAIGC que apresentasse um nome para primeiro-ministro e Domingos Simões Pereira, conciliatório e com o apoio da direcção do seu partido, abdicando ele próprio de retomar o cargo do qual foi afastado sem justificações fundadas, indicou Carlos Correia, uma figura que reúne amplo consenso na sociedade guineense.
Os países vizinhos da Guiné-Bissau mostraram-se desde o começo da crise preocupados com a situação. O assunto foi debatido em meados deste mês, em Dakar, numa cimeira extraordinária da Cedeao (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). A organização escolheu o antigo presidente da República da Nigéria, Olesegun Obasanjo, como mediador da crise guineense. O velho general, considerado um «sábio» africano, deslocou-se a Bissau, onde se encontrou com os principais responsáveis políticos e ajudou a desbloquear o impasse. Propôs aos diferentes actores a assinatura de um «pacto de estabilidade» que evite, no futuro, a repetição de situações como a actual.
Importância da paz
A cimeira da Cedeao decidiu prolongar a permanência do contingente militar da África Ocidental de manutenção da paz na Guiné-Bissau (Ecomib) por mais seis meses, até Junho de 2016. A missão, no país desde o último golpe militar, em 2012, devia terminar a sua presença na Guiné-Bissau em Dezembro deste ano.
Também as Nações Unidas se manifestaram por um rápida resolução da crise. O representante especial do secretário-geral da ONU, Miguel Trovoada – antigo presidente da República de São Tomé e Príncipe –, chamou a atenção para a necessidade de se resolver com urgência o conflito institucional, cumprindo-se as normas da Constituição. E sublinhou a importância da paz e da estabilidade no país, até porque, lembrou, a comunidade internacional prometeu, numa mesa-redonda realizada este ano em Bruxelas, mais de mil milhões de dólares de ajuda ao desenvolvimento.
Terão sido, aliás, estas prometidas verbas avultadas e a sua gestão a causa principal das divergências, nunca bem explicadas, entre o presidente José Mário Vaz e o líder do PAIGC e agora ex-primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira. Dirigente que, apesar de afastado da chefia do governo, continua a gozar de amplos apoio e prestígio.
Apesar de tudo, contrariando um historial de violência política e militar, nesta crise na Guiné-Bissau foi encontrada uma solução pacífica, sem intervenção das Forças Armadas e no respeito pelas decisões dos tribunais, neste caso o Supremo Tribunal de Justiça.
Estes factos ocorrem precisamente quando o país comemora o 42.º aniversário da proclamação da sua independência.
A 24 de Setembro de 1973, em plena guerra de emancipação nacional, o PAIGC – que tinha visto o seu líder, Amílcar Cabral, ser assassinado meses antes, em Conakry, por agentes do colonialismo português – proclamou unilateralmente, nas áreas libertadas do Boé, no Leste, o Estado da Guiné-Bissau, com parcelas do território então ainda ocupadas por forças estrangeiras.
Menos de um ano depois, a 10 de Setembro de 1974, já depois do derrubamento do regime colonial-fascista, a 25 de Abril, e no contexto da Revolução de Abril em curso, Portugal reconheceu a independência do jovem país africano.