Entrevista a Gerardo Hernández

Firmeza conduz à vitória

Hugo Janeiro

Ge­rardo Her­nández passou mais de 16 anos in­jus­ta­mente preso nos EUA. No en­tanto, o pa­triota cu­bano de­tido por com­bater o ter­ro­rismo – como ou­tros quatro com­pa­tri­otas –, não trans­mitiu ao Avante! nem amar­gura nem von­tade de vin­gança, mas fir­meza se­rena de quem re­sistiu e con­tinua a lutar pelo que é justo e bom.

 

«Os re­vo­lu­ci­o­ná­rios não des­cansam, de­dicam-se»

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Vi­veste com he­roísmo uma ex­pe­ri­ência ex­tre­ma­mente dura. Sentes-te um herói?

Penso que posso falar pelos meus ca­ma­radas: sem qual­quer falsa mo­déstia não nos sen­timos he­róis. Somos fi­lhos de um povo que re­siste há mais de 50 anos a um blo­queio cri­mi­noso, so­frendo todo o tipo de ca­rên­cias. O povo de Cuba, esse sim é um herói co­lec­tivo! Nesse con­texto, não faz muito sen­tido de­dicar tempo a pensar em he­roi­ci­dades in­di­vi­duais.

Da nossa parte, não fi­zemos mais do que se­guir o exemplo dos que nos an­te­ce­deram: de Fidel e de ou­tros ho­mens que como ele fi­zeram a nossa úl­tima guerra de li­ber­tação, ou, antes, dos mam­bises [com­ba­tentes que no sé­culo XIX in­te­graram a guerra de li­ber­tação de Cuba, n.d.r.]; o exemplo dos ra­pazes que de­fen­deram o país du­rante a in­vasão da Baía dos Porcos [Abril de 1961], ou dos in­ter­na­ci­o­na­listas cu­banos que per­deram a vida em ter­ri­tório es­tran­geiro a de­fender causas no­bres e justas.

O que fi­zemos foi de­fender o nosso povo num mo­mento his­tó­rico de­ter­mi­nado. Es­tamos cons­ci­entes do sig­ni­fi­cado e do al­cance da nossa re­sis­tência, no en­tanto acre­di­tamos que mui­tís­simos cu­banos fa­riam o mesmo se a oca­sião se apre­sen­tasse.

Ontem [5 de Se­tembro], na in­ter­venção que fi­zeste no Palco So­li­da­ri­e­dade do Es­paço In­ter­na­ci­onal, di­zias que mais de 15 anos de cár­cere são muitos dias, horas, mi­nutos. Por isso me re­feri a uma «ex­pe­ri­ência ex­tre­ma­mente dura»...

No meu caso foram 16 anos, três meses e quatro dias de prisão. É na­tural que tenha tes­te­mu­nhado muitas coisas.

Às vezes as pes­soas julgam que por termos sido presos po­lí­ticos, ob­ti­vemos um tra­ta­mento di­fe­ren­ciado. É exac­ta­mente o con­trário. Es­tive num es­ta­be­le­ci­mento de má­xima se­gu­rança e par­ti­lhei celas com la­drões, as­sas­sinos, nar­co­tra­fi­cantes, vi­o­la­dores, etc. As au­to­ri­dades dos EUA ig­no­raram o facto de não sermos presos de de­lito comum.


O ob­jec­tivo foi en­du­recer a vossa re­clusão?


Sim, claro. Pre­sen­ciei as­sas­si­natos, si­tu­a­ções para as quais nunca se está pre­pa­rado e a que nunca nos acos­tu­mamos. Pro­cu­ramos é que não nos de­ses­ta­bi­lize.

Aqueles 17 pri­meiros meses em celas de cas­tigo, e os seis meses em so­li­tária, foram re­al­mente duros. Ao facto de sa­bermos que es­tamos presos in­jus­ta­mente, acresce o iso­la­mento, o não sa­bermos da fa­mília....

Ob­ser­vámos ho­mens a en­lou­que­cerem. Não aguentam e que­bram.

Mas volto a re­petir: na vida apre­sentam-se cir­cuns­tân­cias alheias à nossa von­tade. Há que en­frentá-las. A nós tocou-nos esta ex­pe­ri­ência, a ou­tros cu­banos cabe, hoje, ir em missão mé­dica onde haja seres hu­manos ne­ces­si­tados de as­sis­tência.


Como foste re­ce­bido na Festa do Avante!?


Sabes que na prisão re­ce­bíamos o Avante! e que o fa­zíamos cir­cular pelos re­clusos? Apro­veito a opor­tu­ni­dade para agra­decer ao co­lec­tivo do Avante!, fe­li­ci­tando-vos pelo tra­balho que re­a­lizam e agra­decer-vos porque me ajudou muito. Quando se está de­tido, não é a mesma coisa con­tarem-nos as ac­ti­vi­dades de so­li­da­ri­e­dade com os Cinco, ou vermos as ima­gens e o re­lato num ar­tigo de jornal. Este úl­timo é tan­gível, po­demos mostrá-lo a ou­tros presos e falar da in­jus­tiça de que se está a ser alvo, mos­trar que ela é re­co­nhe­cida e re­pu­diada por muita gente em todo o mundo. Nin­guém ima­gina o valor que tinha re­ceber o Avante!, saber que muitos ou­tros liam as mesmas no­tí­cias, usar o jornal para con­tra­riar as no­tí­cias in­ven­tadas sobre Cuba e o mo­vi­mento co­mu­nista in­ter­na­ci­onal. Al­guns presos fi­cavam im­pres­si­o­nados não apenas com a so­li­da­ri­e­dade para com os Cinco, mas com ima­gens de jo­vens co­mu­nistas nou­tras ini­ci­a­tivas.

Isto para dizer que de­pois de ter visto tantas fo­to­gra­fias da Festa do Avante!, é uma ale­gria aqui estar. Im­pres­si­onou-me a vossa ca­pa­ci­dade de or­ga­ni­zação e tra­balho, a quan­ti­dade de pes­soas e a pre­sença da ju­ven­tude.


Desde a tua li­ber­tação, ima­gino que não te­nhas tido muito tempo livre, con­si­de­rando a quan­ti­dade de ini­ci­a­tivas em que par­ti­cipas, já não re­la­ci­o­nadas com a exi­gência de li­ber­tação dos Cinco, mas com a exi­gência do fim do blo­queio norte-ame­ri­cano e com a so­li­da­ri­e­dade para com Cuba so­ci­a­lista. Como têm cor­rido?


Somos cinco re­vo­lu­ci­o­ná­rios. Os re­vo­lu­ci­o­ná­rios não des­cansam, de­dicam-se sempre, de acordo com as suas forças e pos­si­bi­li­dades. Desde o nosso re­gresso, temos pro­cu­rado vi­sitar o maior nú­mero de lu­gares em Cuba, re­en­con­trando-nos com o povo, re­ce­bendo e re­tri­buindo ca­rinho, trans­mi­tindo a nossa ex­pe­ri­ência, de cuja o que mais so­bressai é que quando nos man­temos firmes a uma causa e aos prin­cí­pios, a vi­tória é certa.

Como sol­dados da re­vo­lução que somos, con­tri­buímos com o que nos é pos­sível para a cons­trução do so­ci­a­lismo.


Nessas vi­a­gens, que Cuba en­con­traste?


Di­fe­rente da­quele que deixei há cerca de 20 anos, se­gu­ra­mente. É normal. Alar­mante seria se tudo se man­ti­vesse. Na grande mai­oria dos as­pectos, en­con­trei um país me­lhor, nou­tros nem por isso. Há sempre algo a me­lhorar e para tal temos de tra­ba­lhar ar­du­a­mente.

En­con­trei porém no povo a mesma de­ter­mi­nação e con­fi­ança.

 



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