Jerónimo e a jornalista

Correia da Fonseca

Na sequência de en­tre­vistas de for­mato idên­tico re­a­li­zadas a Passos Co­elho e a An­tónio Costa, foi Je­ró­nimo de Sousa à TVI para res­ponder a ques­tões co­lo­cadas não só por um jor­na­lista de ser­viço mas também por ele­mentos de um nu­me­roso painel de jo­vens uni­ver­si­tá­rios para o efeito con­vi­dados pela es­tação. Nas en­tre­vistas an­te­ri­ores, o jor­na­lista havia sido José Al­berto de Car­valho, que se de­sem­pe­nhou do en­cargo sem dar mo­tivo para es­pe­ciais ob­ser­va­ções, isto é, com o mé­rito que o ca­rac­te­riza. Desta vez, de­certo em con­sequência de uma normal ro­tação, a jor­na­lista foi Ju­dite de Sousa, também com res­pon­sa­bi­li­dades di­rec­tivas na­quela es­tação. Nada a opor, na­tu­ral­mente. Salvo talvez que no cur­rí­culo de Ju­dite como en­tre­vis­ta­dora se en­con­tram casos em que a jor­na­lista se terá com­por­tado com o que pa­receu ser al­guma agres­si­vi­dade, sem que, con­tudo, tais mo­mentos se te­nham re­ve­lado como sin­tomas de uma ma­leita cró­nica. Desta vez, de resto, não chegou a tanto, longe disso, su­blinhe-se, e o beijo final com que se des­pediu do en­tre­vis­tado até pode ter cons­ti­tuído sinal pú­blico de ma­ni­festa cor­di­a­li­dade.

Lem­brança de Jorge de Sena

Até lá, porém, al­guns as­pectos podem ter sido in­ter­pre­tados, talvez pelos mais exi­gentes ou os mais sus­pei­tosos, como ex­cep­ções à de­se­jável regra geral de isenção, cor­recção e li­sura. Acon­teceu com as fre­quentes in­ter­rup­ções que im­pe­diram o en­tre­vis­tado de com­pletar res­postas, com sor­risos que acom­pa­nharam per­guntas e pa­re­ceram in­si­nuar dú­vidas de um modo quase in­so­lente, talvez so­bre­tudo com a forma de tra­ta­mento do en­tre­vis­tado, «se­nhor Je­ró­nimo». Há cerca de um ano, Dona Ju­dite (ou drª Ju­dite, se assim pre­ferir) des­locou-se a Ma­drid para fazer uma en­tre­vista a Cris­tiano Ro­naldo, por sinal lon­guís­sima en­tre­vista, da­quelas que re­sultam mais na or­na­men­tação do cur­rí­culo do en­tre­vis­tador que em pro­moção do en­tre­vis­tado, e não se tem me­mória de o ter tra­tado por «se­nhor Ro­naldo». Por uma boa razão: porque às fi­guras pú­blicas não se trata por «se­nhor fu­lano» ou «se­nhor si­crano», fi­cando esta forma de tra­ta­mento re­ser­vada para o «se­nhor Fer­nando» que nos atende ao balcão da loja vi­zinha ou para o «se­nhor Jo­a­quim» que vem a nossa casa fazer o mi­lagre de cor­rigir uma tor­neira. Ora, Je­ró­nimo de Sousa não se des­locou à TVI para exercer a sua pro­fissão an­te­rior a Abril de ope­rário com uma es­pe­cí­fica es­pe­ci­a­li­dade, não foi lá afinar ne­nhuma má­quina, mas sim na qua­li­dade de Se­cre­tário-geral do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, isto é, de fi­gura pú­blica des­ta­cada no pa­no­rama po­lí­tico por­tu­guês, pelo que o tra­ta­mento por «se­nhor Je­ró­nimo» pa­receu trans­portar a in­tenção de o di­mi­nuir um pouco em con­traste com a mul­tidão de dou­tores e en­ge­nheiros que fre­quentam in­ten­sa­mente os es­tú­dios da TVI como os das ou­tras ope­ra­doras por­tu­guesas de te­le­visão. Não o terá feito com tão feia in­tenção drª Ju­dite, mas ela bem sabe que, como um dia en­sinou o mestre quase di­vino cujos en­si­na­mentos ainda por aí muito flu­tuam, «em po­lí­tica, o que pa­rece, é». E, bem se vê, nas en­tre­vistas po­lí­ticas também. Porém, vol­temos ao fun­da­mental: o mais grave na ac­tu­ação da ex­pe­ri­men­tada jor­na­lista foram as in­ter­rup­ções, as quase in­si­nu­a­ções, a ten­tação de ser ela a ter­minar uma ou outra res­posta ainda não finda. São talvez por­me­nores, mas lem­bram um pouco o verso em que Jorge de Sena falou, um dia, de «as pe­que­ninas coisas da mal­dade». A questão, que não é de se­gundo plano, é que as «coisas da mal­dade» não se medem pelo ta­manho, nem se­quer pelos even­tuais efeitos, mas mais pro­va­vel­mente pelas reais ou apenas apa­rentes in­ten­ções de quem as usou. Pelo que todo o cui­dado é pouco, di­gamos assim, por parte de quem pa­receu dis­pará-las e por parte de quem as en­frentou. Neste caso, com pleno êxito por parte de Je­ró­nimo de Sousa, Se­cre­tário-geral do PCP e, por isso, fi­gura pú­blica de pri­meiro plano, re­pi­tamo-lo para que não se es­queça.




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