Dribles e outras dissimulações

Jorge Cordeiro

Entre os muitos ângulos de observação que se poderiam exercitar para ler o que a convenção do PS representou – seja pelos lado dos conteúdos programáticos ali enunciados na sua quarta versão, seja pelo desfile de afirmações a que o PS nos habituou para dizer uma coisa e poder ler-se o seu contrário – há um que põe a nu os seus reais objectivos e motivações: precisamente aquele que Ferro Rodrigues ali vazou «é necessário para ganhar eleições, ter o apoio da classe média e ter o apoio do centro. Mas para ganhar as eleições com maioria absoluta é necessário ter o povo de esquerda …». Aos que se aprestam a tecer considerações menos abonatórias à elegância discursiva aqui se faz justiça à clareza de um pensamento que tendo ganho voz em Ferro Rodrigues traduz a verdadeira estratégia eleitoral do PS: a de uma ambição de poder absoluto construída na recolha de votos à esquerda para dar suporte à política de direita. É caso para se dizer que branco é galinha o põe sendo, que entre as citadas cor e ave, lá se encontra o essencial do que vai na cabeça do PS: ter um programa que corresponda às expectativas do «centro» (leia-se centrão) suportado nalgum apoio eleitoral de eleitores de esquerda que, levados mais uma vez ao engano, lhe entregariam o voto.

Nas manobras ali ensaiadas, em ambiente de antecipada euforia, sobressai a arte de dissimular. Dissimulação do sentido das principais medidas e pressupostos programáticos do PS, dissimulação do percurso de cumplicidade com o pacto de agressão que subscreveu e com o actual governo PSD/CDS, dissimulação do trajecto de promessas não cumpridas que tem acompanhado o PS. Mas mais esclarecedor e intrigante, é aquela rasura do passado mais recente que os governos de Sócrates, e lembre-se da sua maioria absoluta, legaram em matéria de destruição de direitos e assalto aos rendimentos dos trabalhadores e dos reformados. A afirmação de António Costa de colagem da Convenção aos Estados Gerais que antecederam a eleição de António Guterres, de que «vinte anos depois digo que valeu e vale a pena estarmos cá» é sobretudo um aviso sobre aquilo que constituirá o eixo central da sua campanha: a de fazer esquecer o percurso do PS na promoção da política de direita.




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