Os coches

Henrique Custódio

A inauguração do novo Museu dos Coches mostrou-nos o Presidente da República a cumprimentar, de sorriso aberto, o não menos sorridente primeiro-ministro, ambos conferindo ao acto a solenidade dos seus altos cargos e fornecendo uma alegria supletiva, estampada nos sorrisos de ambos.

O novo Museu dos Coches foi uma ideia do governo Sócrates que, para disfarçar o livre-trânsito passado aos casinos – deixando, inclusivamente, o «Casino Lisboa» instalar-se em pleno espaço da Expo –, decidiu que parte das receitas brutas do jogo reverteriam para o Estado; dessas verbas, financiar-se-ia o novo Museu, cuja construção teve carta branca do saudoso ministro Pinho, o dos «corninhos» na AR.

A obra é do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, que nela começou a trabalhar há sete anos. Todavia, com a chegada deste Governo, o projecto sofreu tratos de polé, desde António Costa que, como presidente da CML, o achou «desnecessário» (preferia um Museu das Descobertas), um deputado da coligação do Governo chamou-lhe «elefante branco», o arq. Luís Raposo, à data presidente da secção portuguesa do Conselho Internacional dos Museus, classificou-o como «um erro colossal», enquanto o actual secretário de Estado da Cultura, Barreto Xavier, diversas vezes expressou que reinstalar os coches era «um erro» e, num clima de contenção orçamental, o projecto não seria «prioritário».

A obra foi parada em 2012 por «contenção orçamental» e agora é posta em inauguração pelo mesmo secretário Xavier, praticamente como estava em 2012. O que significa que lhe falta – como relata o Público – todo o arranjo museológico (só lá estão os coches entre paredes nuas, com «promessa» de que a museografia virá «até ao fim do ano»), bem como a passagem pedonal e ciclável sobre a linha de comboio e Av. da Índia – que, a partir de 2016, deverá ligar o novo conjunto arquitectónico ao rio, com cafetaria e restaurante já construídos... mas vazios.

Esta trajectória desenha o perfil da governamental gente: paralisaram o Museu em nome da «contenção orçamental», de repente decidem inaugurá-lo a toda a pressa para terem a oportunidade de «ficar no retrato», mesmo que o retrato seja de uma obra inacabada, incompleta, sem funcionar nas valências anunciadas – aliás, cumprindo o objectivo central deste Executivo, que era congelar a construção do Museu.

Daí a mobilização do cerimonial do Estado para tão pífia inauguração resultar num objecto estranho, onde a similitude apenas se encontra uns seis séculos atrás, na construção, para sempre inacabada, das Capelas Imperfeitas no Mosteiro da Batalha, a mando de D. Duarte.

Só que Portugal não está no alvor da sua Gesta – nem estes inauguradores, mesmo vestidos de estadão, podem sonhar ombreio com o rei Don Duarte.

Citando-o n'O Leal Conselheiro, diremos: «Haja tenência»!

 



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