Bela democracia

Anabela Fino

A democracia anda na boca de toda a gente. É um daqueles conceitos que aparentemente todos partilham, embora nunca se saiba em rigor o alcance que tem para cada um. Parece ser um problema genético, chamemos-lhe assim. O termo tem origem no grego antigo, juntando as palavras demos/povo e kratos/poder, e opõe-se a aristokratia, que como o nome indica é o poder da aristocracia. Ideia plena de significado, essa, de colocar nas mãos do povo o poder de escolher os seus governantes através do voto. Sucede porém que no berço da dita democracia havia os cidadãos, ou seja os homens livres, e os outros, sendo que os outros, como as mulheres e os escravos, não tinham direito a voto. Apesar deste limitado conceito de povo a ideia prosperou e nos nossos dias, nas chamadas democracias ocidentais, que alguns consideram a única forma possível de democracia, já não há tais discrepâncias e o sufrágio é universal. Mas como soe dizer-se, há muitas maneiras de matar pulgas.

Veja-se o caso da muita democrática Grã-Bretanha, onde há dias os conservadores conseguiram a maioria absoluta nas eleições legislativas, apesar de 63 por cento dos eleitores não terem votado nos torys. Esquisito? Nem por isso. Graças ao particular sistema de círculos uninominais – que alguns gostavam de implementar por cá – os conservadores elegeram 330 deputados com apenas... 36,8 por cento dos votos. Bela democracia.

Na Itália, o governo de Matteo Renzi acaba de fazer aprovar uma lei eleitoral que dá automaticamente uma maioria de 55 por cento dos deputados à lista que recolha 40 por cento dos votos. Sintomaticamente, a legislação foi baptizada de «Italicum», distinção que no antigo império romano o imperador dispensava a certas cidades...

Por cá ainda vigora o sistema proporcional, mas PS e PSD bem se esforçam para o alterar, seja advogando a «bondade» de nas autarquias ser o cabeça de lista da força política mais votada a determinar sozinho a composição do executivo, seja clamando por círculos uninominais para «aproximar os eleitos dos eleitores».

Se isto é democracia, o que será um sistema em que um voto valha um voto? Às tantas, é capaz de ser subversivo!

 



Mais artigos de: Opinião

A festa dos dividendos

A actualidade deste texto resulta não tanto da proximidade temporal dos acontecimentos (a informação é do mês de Abril), mas do seu significado político, nestes dias de intenso debate ideológico seja sobre as privatizações, seja sobre a forma em como a...

Notas sobre o «império»

As contradições do processo de integração capitalista na Europa não cessam de se aprofundar, só a propaganda «sistémica» consegue dizer o contrário. E à medida que as contradições «aquecem» mais o...

Vencer ilusões, derrotar<br>a política de direita

PSD e CDS vendem a ideia de que uma vitória nas próximas eleições é possível, tentando desesperadamente reduzir a derrota que já sabem ter certa. E o PS não contraria, alimentando o medo da vitória da coligação PSD/CDS para que, a pretexto de uma falsa utilidade, lhe caiam os votos no bolso. Uns e outros, no entanto, não são capazes de apresentar aos portugueses outra coisa que não seja a continuação da mesma política, da política de direita com que têm infernizado a vida aos trabalhadores e destruído o País.

Os «proto»

Cavaco Silva foi à Noruega inventar uma nova sereia, copiando o dinamarquês Hans Christien Andersen (quem não sabe que Os Lusíadas têm X Cantos, também pode arrematar a Noruega e a Dinamarca na zona da «gente nórdica»). Mas merece transcrição,...

Mitos

A forma como boa parte da comunicação social ao serviço do grande capital tratou o 70.º aniversário da Vitória sobre o nazi-fascismo é vergonhosa, mas previsível. Veja-se o jornal Público de 9 de Maio. Escreve o órgão oficioso de Belmiro de...