Bela democracia
A democracia anda na boca de toda a gente. É um daqueles conceitos que aparentemente todos partilham, embora nunca se saiba em rigor o alcance que tem para cada um. Parece ser um problema genético, chamemos-lhe assim. O termo tem origem no grego antigo, juntando as palavras demos/povo e kratos/poder, e opõe-se a aristokratia, que como o nome indica é o poder da aristocracia. Ideia plena de significado, essa, de colocar nas mãos do povo o poder de escolher os seus governantes através do voto. Sucede porém que no berço da dita democracia havia os cidadãos, ou seja os homens livres, e os outros, sendo que os outros, como as mulheres e os escravos, não tinham direito a voto. Apesar deste limitado conceito de povo a ideia prosperou e nos nossos dias, nas chamadas democracias ocidentais, que alguns consideram a única forma possível de democracia, já não há tais discrepâncias e o sufrágio é universal. Mas como soe dizer-se, há muitas maneiras de matar pulgas.
Veja-se o caso da muita democrática Grã-Bretanha, onde há dias os conservadores conseguiram a maioria absoluta nas eleições legislativas, apesar de 63 por cento dos eleitores não terem votado nos torys. Esquisito? Nem por isso. Graças ao particular sistema de círculos uninominais – que alguns gostavam de implementar por cá – os conservadores elegeram 330 deputados com apenas... 36,8 por cento dos votos. Bela democracia.
Na Itália, o governo de Matteo Renzi acaba de fazer aprovar uma lei eleitoral que dá automaticamente uma maioria de 55 por cento dos deputados à lista que recolha 40 por cento dos votos. Sintomaticamente, a legislação foi baptizada de «Italicum», distinção que no antigo império romano o imperador dispensava a certas cidades...
Por cá ainda vigora o sistema proporcional, mas PS e PSD bem se esforçam para o alterar, seja advogando a «bondade» de nas autarquias ser o cabeça de lista da força política mais votada a determinar sozinho a composição do executivo, seja clamando por círculos uninominais para «aproximar os eleitos dos eleitores».
Se isto é democracia, o que será um sistema em que um voto valha um voto? Às tantas, é capaz de ser subversivo!