Um povo sem país. Até quando?
A 30 de Março de 1976 teve lugar em toda a Palestina ocupada e em localidades árabes de Israel uma greve geral e manifestações, em protesto contra a expropriação de milhares de hectares de terra por «motivos de segurança» e para a construção de colonatos, anunciada pelas autoridades israelitas. O exército sionista reprimiu violentamente os protestos, assassinando vários palestinianos. Desde então que no dia 30 de Março se assinala na Palestina o Dia da Terra.
O massacre de 1976 não foi o primeiro perpetrado pelas forças armadas israelitas contra as populações árabes. Nem foi, sequer, o mais mortífero. Quer pela causa que esteve por detrás dos protestos de 30 de Março quer pela unidade e combatividade demonstradas entre os palestinianos dos territórios ocupados e os que viviam em Israel, ele entrou definitivamente na lista das efemérides nacionais do povo palestiniano, privado há tempo demais do seu país independente, soberano e viável, com fronteiras reconhecidas e respeitadas e com autoridades autónomas com jurisdição plena sobre todo o território.
De facto, nos discursos oficiais dos representantes da mal chamada «comunidade internacional» e na generalidade dos órgãos de comunicação social ditos «ocidentais», a questão israelo-palestiniana é, na maioria das vezes, apresentada de forma invertida: do reconhecimento, pelos palestinianos, da existência de Israel dependeria a criação do seu próprio Estado. Contudo, dos dois estados só o de Israel existe e se algum deles necessita de reconhecimento – e, sobretudo, de existência efectiva – é, sem dúvida, o da Palestina.
A adesão à UNESCO, em 2011, a entrada na ONU como observador, no ano seguinte, e o reconhecimento por parte de 135 países são passos importantes, sem dúvida. Mas, no terreno, a ocupação não só prossegue como se intensifica: o território sob (limitada) jurisdição palestiniana, para além de exíguo e descontínuo, serpenteia por entre muros, postos de controlo, «zonas de segurança» e colonatos, na Cisjordânia; e encontra-se confinado, na Faixa de Gaza, àquela que é a maior prisão ao ar livre do mundo.
Árabes, judeus e o imperialismo
Não é fácil contar esta história nem situar no tempo o seu prólogo. Descartando à partida alegados direitos bíblicos do povo de Israel; evitando sequer procurar uma resposta para a questão tão básica quanto perigosa de saber quem ali chegou primeiro, há milhares de anos; e passando mesmo por cima de uma análise crítica à famosa Declaração Balfour (nome do ministro dos Negócios Estrangeiros britânico), que em 1917 previa já a criação de um «lar nacional para o povo judeu» na Palestina – fixemo-nos na segunda metade dos anos 40 do século XX, no estertor do Mandato Britânico, criado em 1920 das ruínas do Império Otomano que dominara a região durante séculos.
A divisão da Palestina entre árabes e judeus era, em 1947, uma das questões «quentes» que a recém-criada Organização das Nações Unidas tinha entre mãos. Dos muitos planos de partilha que surgiram, foi adoptado um que garantia aos judeus 56,7 por cento do território do Mandato Britânico e aos árabes 42,88 por cento; o sector internacional, em torno de Jerusalém, ficava confinado a 0,65 por cento. Os árabes, que eram a imensa maioria da população – pese embora a imigração massiva de judeus europeus para a região ao longo das décadas precedentes – contestam os termos do acordo.
Em muitos locais estalaram revoltas e confrontos: em Maio de 1948, os sionistas invadiram e ocuparam centenas de povoações palestinianas, expulsando e massacrando os seus habitantes, e apoderaram-se de 78 por cento do território da Palestina – no qual erguem o Estado de Israel. Ao mesmo tempo, o território restante, no qual deveria ser criado o Estado Árabe na Palestina, foi entregue à soberania «transitória» do Egipto (Faixa de Gaza) e da Jordânia (Cisjordânia). Mas este nunca foi criado.
Opressão e resistência
A guerra de 1948, que entre os palestinianos ficou conhecida por Nakba (catástrofe), foi o primeiro episódio de expulsão massiva de populações árabes da Palestina: é a própria ONU a reconhecer que mais de 750 mil árabes foram forçados a abandonar as suas casas, criando aquela que é actualmente a maior população refugiada do mundo. A maioria amontoou-se em campos de refugiados nos 22 por cento do território que Israel não ocupou; outros fizeram o mesmo, mas em países vizinhos.
Em Junho de 1967, na sequência de uma rápida ofensiva militar, com estranhos contornos ainda por esclarecer cabalmente, Israel apoderou-se do resto do território da Palestina (Jerusalém Leste, Cisjordânia e Faixa de Gaza) e ainda dos Montes Golã sírios e da Península do Sinai egípcia.
A desocupação de Israel dos territórios palestinianos, na sequência dos acordos de Oslo, de 1993, foi apenas aparente: ficaram os colonatos, que não cessam de se multiplicar, os postos de controlo e as instalações militares; construiu-se o Muro de Separação, que divide aldeias ao meio, separa famílias, afasta crianças das escolas e doentes dos centros de saúde e retira mais terra ao futuro Estado, transformado hoje numa verdadeira manta de retalhos; sucedem-se os massacres, nomeadamente contra a população da Faixa de Gaza, cercada por muros e grades e esmagada por um criminoso bloqueio.
Mas a história recente do povo palestiniano, sendo trágica, é sobretudo heróica. É a história de um povo desarmado que se opõe com coragem e sem desfalecimentos a um dos mais poderosos exércitos do mundo, armados, financiados e sustentados pela principal potência imperialista do planeta, os EUA. É desta tenacidade e da solidariedade crescente dos povos de todo o mundo que nascerá, mais cedo do que tarde, o Estado da Palestina.