Dívidas

Henrique Custódio

Na Europa, a política começa a vacilar e a maioria (emitida ou publicada) voga na ilusão de que o status quo imposto pela União Europeia «é o melhor do pior dos mundos» (no florilégio da democracia burguesa), ignorando a dialéctica falibilidade das coisas e indiferentes (ou cegos, o que ainda é pior) aos sinais que borbulham, sempre, quando as tensões sociais provocadas pela exploração capitalista vão, crescente e implacavelmente, ultrapassando os limites toleráveis já não apenas pelas pessoas, na sua solitária vulnerabilidade, mas pelas massas que configuram povos inteiros, no que de essencial têm os povos – que é as suas gentes que trabalham, fazem funcionar tudo e sem as quais nada é possível, nas sociedades humanas.

O que aconteceu na Grécia devia fazer soar alarmes nos «líderes europeus» – e não nos referimos à novela em curso de quem cede o quê, na hostilidade de Alemanha e adjacências ao governo do Syriza. Aconteceram duas coisas sérias e uma conclusão fatal.

Uma coisa, que no quadro das regras da democracia burguesa os partidos do pretenso «arco do poder» foram apeados ou reduzidos à insignificância pelo voto popular; outra, que o significado é unívoco – resulta do descrédito desses partidos por tanto mentirem ao eleitorado e, sobretudo, por essas mentiras se traduzirem, invariavelmente, por mais e mais degradação da vida dos povos.

A conclusão fatal é que os mecanismos da democracia burguesa não estão nem «velhos» nem «relhos», mas simplesmente capturados (como sempre estiveram) pelos partidos que apenas «servem para servir» o capitalismo financeiro. E quando o capitalismo atinge um estado onde age sem peias nem adversários de peso – como na actualidade –, a sua voracidade amplia-se em torniquete implacável para a generalidade dos povos e países.

Entretanto, por estranho que pareça ao comentarismo nacional, «as massas» podem ser cegas muitas vezes, mas não são obtusas nem estão quietas, têm dinâmicas e fluem – fluem até se tornarem imparáveis, como as forças da Natureza.

Seria antes disso que os poderes instituídos deviam parar para pensar; e lembrar-se (mas nunca se lembram, está-lhes no ADN do lucro sacrossanto) que é depois disso que as lideranças para a ruptura usam consumar-se. Sempre.

Ainda a propósito da Grécia, convém recordar que é um país onde não apenas floresceu a civilização, a cultura e a política ocidentais (coisa que toda a gente parece alegremente esquecer), como, sobretudo, está inserido nos Balcãs e situado numa encruzilhada nevrálgica entre o Ocidente e o Oriente, onde os labirintos históricos são antigos e complexos, o trânsito, a emigração e o tráfico de culturas, pessoas e bens uma realidade a que a Europa (e também a Alemanha) deviam prestar séria atenção.

A «dívida grega» está longe de ser o «grande problema» da União Europeia, em relação à Grécia.




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