Descartados dão luta
Para centenas de trabalhadores da Administração Pública e do sector privado, passar de 2014 para 2015 exige acções a demonstrar que recusam com firmeza ser tratados como descartáveis e estão dispostos a lutar, unidos e organizados, pela defesa do emprego e dos direitos.
Os trabalhadores são necessários, os seus direitos têm protecção legal e são defendidos com a luta
No Instituto da Segurança Social, em três cantinas da Universidade de Lisboa, no privatizado Hospital de Fafe, na extinta Casa do Douro, no Turismo do Porto e Norte de Portugal não se acabou o trabalho que era há anos realizado pelos trabalhadores que estão a ser descartados. Com a razão do seu lado, estes não se rendem e dão luta no local de trabalho, na rua, nos tribunais.
Surpresa
No dia 2, sexta-feira, cerca de meia centena de trabalhadores das cantinas do Instituto Superior Técnico, do Instituto Superior de Economia e Gestão e da Faculdade de Ciências – todas instituições da Universidade de Lisboa – foram surpreendidos, tal como os estudantes, com o encerramento dos refeitórios. A Solnave, entidade concessionária e à qual os trabalhadores têm vínculo, nada lhes comunicou sobre esta situação, que decorre do fim do contrato de concessão, no último dia de 2014.
O alerta foi dado pelo Sindicato da Hotelaria do Sul, da Fesaht/CGTP-IN, que anteontem apoiou uma concentração dos trabalhadores na entrada principal do IST. Foi apresentada queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho e foram pedidas reuniões à Solnave e aos serviços sociais da Universidade.
Ilegalidade
Quando ocorre a transmissão de um estabelecimento ou unidade económica, os contratos de trabalho passam ao adquirente, com todos os direitos, incluindo a antiguidade, pelo que a recusa de assumir 15 trabalhadores da cantina e da limpeza do Hospital de Fafe constitui uma violação do Código do Trabalho e do contrato colectivo do sector, por parte da Santa Casa da Misericórdia de Fafe.
A acusação foi feita pelo presidente do Sindicato da Hotelaria do Norte, no dia 2, assim que a Misericórdia assumiu a gestão do hospital. Algumas das pessoas já trabalhavam ali há 20 anos ou mais, através de empresas prestadoras de serviços. Francisco Figueiredo disse à agência Lusa que os trabalhadores, desde a manhã de dia 1, cumpriam o seu horário normal de trabalho «de braços cruzados» e assim iriam continuar. A União dos Sindicatos de Braga também informou, na mesma sexta-feira, que a Misericórdia «está a pôr em causa o acesso dos trabalhadores ao trabalho, mas estes recusam abandonar as instalações do hospital e encontram-se desde ontem parados, sem funções, numa sala da unidade de saúde».
Pressão
Na passada sexta-feira, o primeiro dia útil do ano, as quatro funcionárias da loja interactiva de turismo de Ponte de Lima contrariaram a ordem de fechar as portas, recebida por correio electrónico, e decidiram manter-se em serviço, até receberem um eventual despacho. Este foi um dos casos que o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL/CGTP-IN) indicou, originados por uma atitude de extrema prepotência do presidente da Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP, organismo responsável pela gestão e promoção turística que sucedeu à extinta Região de Turismo), que procura pressionar as câmaras municipais a absorverem cerca de 40 trabalhadores.
O presidente da TPNP, Melchior Moreira, pediu às câmaras uma resposta favorável até 31 de Dezembro, e depois deu, por email, ordens expressas para que os trabalhadores de postos situados nos municípios que não anuíram à «notificação» entregassem as chaves nas câmaras municipais, relatou à agência Lusa, em Ponte de Lima, no dia 2, a coordenadora da direcção regional do STAL de Viana do Castelo. «Os presidentes de Câmara não aceitam ser notificados por uma entidade externa e, por outro lado, também estão limitados face às restrições impostas pela contratação pública», explicou Ludovina Sousa. Na mensagem aos funcionários, o presidente da TPNP «disse para se manterem em casa, sem trabalhar e a receber o vencimento, até novas ordens», o que «é uma forma de pressionar as autarquias» mas serve também para «preparar caminho para os mandar para a "mobilidade especial"».
Indefinição
A extinção da Casa do Douro – que levou o PCP a apresentar na AR, a 19 de Dezembro, um pedido urgente de audição do secretário de Estado da Agricultura – lançou indefinição e inquietação entre cerca de 50 trabalhadores, do quadro privado e do sector público, alguns dos quais se apresentaram na sede da instituição, no dia 2. Aqui, como relatou a agência Lusa, expuseram os seus protestos pela forma como o Governo os tratou neste processo.
A extinção estava prevista na lei publicada a 15 de Outubro, mas o PCP acusou o Governo de ter precipitado o fim da Casa do Douro, sem acautelar a possibilidade de outras soluções, inclusive as que admitiu que fossem proposta pela actual direcção. Esta «não tem nenhuma informação do Governo há mais de dois meses», disse um dirigente aos jornalistas, salientando que «este património não é do Governo, nem de nenhuma associação de amigos do Governo» e comunicando a decisão de manter as portas abertas «enquanto tivermos condições».
A lei que extingue a Casa e os postos de trabalho reconhece o direito dos trabalhadores a indemnização, mas «nós não sabemos quem vai pagar os salários que estão em atraso, quem é que vai pagar as indemnizações», protestou uma trabalhadora, citada pela Lusa.