O filme conta a nossa luta

Ana Alves Miguel

Este texto não pretende ser uma crítica de cinema. Mas pretende chamar a atenção para um filme que leva por título «Dois Dias, Uma Noite».

A manutenção de um posto de trabalho ou o recebimento de um prémio de mil euros é posto à votação numa empresa. Pela intervenção do chefe o posto de trabalho é preterido e a fragilidade de Sandra não lhe permite que caminhe sozinha. O marido e uma colega são a sua âncora. A permissão do patrão para a realização de nova votação faz com que Sandra durante o único fim de semana que lhe resta vá ao encontro de cada colega para convencê-lo a votar pela sua permanência na empresa. A ida às suas casas, as conversas que mantém, o envolvimento das famílias, o destino que cada um tem para o prémio e os problemas económicos enfrentados prendem-nos a esta história. Cada passo dado, cada circunstância, são os passos que damos, são as nossas circunstâncias.

Um, dois, três votos pela colega… um, dois, três, quatro votos pelo prémio. A corrida contra o tempo e a confiança inabalável do marido de Sandra que não a deixa desistir e insiste para que vá ao encontro dos colegas. De um lado, a luta pelo trabalho que garante que a vida de Sandra e da sua família não seja afetada pelo desemprego, pela doença e pela perda da casa. Do outro, a amizade, a solidariedade, a falta de coragem, a porrada, a separação e o egoísmo. O ordenado recebido não lhes chega para viver e o fim de uma semana de trabalho representa o início dos biscates. Na vida destes trabalhadores, o prémio de mil euros representa o pagamento de um ano das contas da eletricidade e da água, as oras urgentes ou as propinas da faculdade.

Mas ao ganharem-no é Sandra que deixa de estar entre eles, que deixa de ter trabalho. Nada nesta história é fortuito. Nada é gratuito. Sandra ganha alento, não quer viver, resiste, chora, luta.

Feita a votação, apesar de esgotada e necessitada, ela decide não aceitar o que o patrão lhe dá: o lugar de um trabalhador que será despedido. A consciência ganha durante o fim de semana em que foi ao encontro dos colegas e lutou pelo posto de trabalho não é para deitar fora. É a consciência de que necessita para enfrentar os dias difíceis que se avizinham.

Ao ouvi-la dizer «Demos-lhe luta» sabemos que não são meras palavras a encerrar este episódio da vida de Sandra e dos seus dezasseis colegas. A frase é dita por quem perdeu o medo e lutou.

A luta não tem fronteiras. «Demos-lhe luta» repetimo-lo nas greves, nas manifestações e nas vigílias. Nestes dias de luta tomamos lugar junto de milhares de trabalhadores sem sabermos se ganhamos ou perdemos. O que importa é lutarmos para não regredirmos no sonho começado em Abril e que nos constroi há quarenta anos.

«Dois Dias, Uma Noite» é um filme de entrega total a problemas comuns aos trabalhadores do mundo e apela à nossa participação. Da ação vivida retiramos a poderosa solidariedade e o poderoso papel que nomeado voto vale a vida, o trabalho, a habitação e a dignidade.

Nestes dias qualquer um de nós pode ser o personagem desta história pois para os predadores imperialistas não há erros de casting.



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