recebem delegação
Alegria e emoção à chegada
Centenas de pessoas acolheram em apoteose, sexta-feira passada, 28, em Lisboa, a delegação que se deslocou a Paris para assistir à elevação pela UNESCO do Cante Alentejano a património imaterial da Humanidade.
«Tivemos semana árdua mas valeu a pena, porque fomos buscar um troféu que é de todos os alentejanos: o Cante Alentejano património imaterial da Humanidade», afirmou Carlos Paraíbe, depois de o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa, que dirige, ter brindado os presentes com a sua arte vocal cantando versos que falam do Alentejo, de terra e de pão.
Um dos membros mais jovens do grupo, Carlos Arruda, «voz alto», não escondeu também a sua satisfação ao declarar aos jornalistas o que sentia: «misto de expectativa, alegria, orgulho, cansaço, lágrimas à chegada». Ele que se mostrou optimista quanto ao futuro do Cante, convicto de que haverá continuidade no trabalho que tem vindo a ser feito, nomeadamente nas escolas, como no concelho de Serpa, onde esse trabalho dá garantias de «grandes frutos no médio e longo prazo».
Entre abraços e vivas ao Alentejo, rodeados de amigos, culminava assim da melhor maneira o trabalho da candidatura promovida pela Câmara Municipal de Serpa e pela Casa do Cante. Para o seu presidente, Tomé Pires, esta distinção é igualmente importante porque «dá forças para continuar outras lutas também muito importantes» em relação a «uma vida melhor para todos», sendo «uma prova de que colectivamente – a força colectiva que está aqui bem presente no cante – podemos fazer muito e bem». Epílogo em ambiente de calorosa recepção que tivera como ponto alto, minutos antes, a entrada do Coro da Casa do Povo de Serpa na rampa que dá acesso ao átrio das «chegadas» do aeroporto. Foram dezenas de metros percorridos sob versos de «Serpa de Guadalupe», num coro que engrossou de forma arrepiante à medida que a ele se lhe juntaram as centenas de vozes ali presentes.
Antes, ainda, foram também momentos plenos de emoção e afecto os que se viveram na nave de «chegadas» da Portela. Uma atmosfera de festa e alegria – a que não faltou sequer o bom tinto da região e o petisco, em improvisadas mesas –, impossível de deixar alguém indiferente. Incomum era, com efeito, aquela situação de grupos de homens e mulheres, com os seus trajes regionais, entoarem, em vozes melódicas e poderosas, sem qualquer instrumento de acompanhamento, esse canto polifónico onde despontam como elementos centrais o trabalho e a terra.
Grupos que ali acorreram provenientes de vários locais da Área Metropolitana de Lisboa. Cantando e caminhando naquele seu compasso único.
O que ali estava, verdadeiramente, era a expressão de uma imensa força colectiva. Uma corrente de solidariedade, uma afirmação de identidade e pertença. Era a alma profunda do Alentejo.
Alegria e orgulho
«Uma grande alegria e um enorme orgulho, do cante e de ser alentejano», disse ao repórter João Favinha, do Grupo Coral Voz do Alentejo», Quinta do Conde, quando questionado sobre o que sentia. Com 74 anos, confessa-nos que as suas «raízes mantêm-se intactas», não obstante há muito ter deixado o seu Alentejo.
Difícil de descrever o que vai no coração de um alentejano pela distinção atribuída ao Cante é o que nos diz, por seu lado, Maria Nazaré Avó. «Só quem vive o Alentejo e o campo é que pode sentir o que sentimos hoje», revela esta mulher, 71 anos, espírito jovem, que nos descreve a «grande felicidade e orgulho» pela atribuição de tão distinto galardão, sentimento partilhada por todas as 28 mulheres que constituem o seu grupo, as «Cantadeiras da Alma Alentejana», da Cova da Piedade, Almada.
Grupo com mulheres de todas as idades (a mais nova tem 30 anos e a mais velha 85 anos) e que tem no reportório modas do cancioneiro, que sabiamente convidam à reflexão e à acção transformadora, como aquela que se ouviu nesse dia no aeroporto da capital: «É tão grande o Alentejo / tanta terra abandonada / a terra que dá o pão / para o bem desta nação / devia ser cultivada».
Um sentimento de «orgulho» – transversal e porventura o que melhor traduz o estado de espírito que perpassou o Alentejo e o País –, por esta consagração do Cante, foi também o que nos confidenciou sentir António José Parreira, 66 anos, de Vila Alva. Responsável pelo Grupo Coral Alentejano da Brandoa, formado em 1974, actualmente com 18 homens, afirma ao Avante! ter consciência de que a «batalha agora ganha» traz «mais responsabilidades» para o futuro. Mas acredita que este processo representou um «estímulo para os jovens» e por isso está confiante que a «juventude reconhece este trabalho e vai aderir com mais força ao Cante».
E foi assim que tudo aconteceu durante mais de duas horas, num ambiente contagiante a que não escaparam turistas e passageiros – surpreendidos, primeiro; rendidos, depois –, que não perderam o ensejo de fixar essas imagens de felicidade nos telemóveis.