A inacessibilidade de um País
As novas tecnologias podem desempenhar um papel essencial para suplantar os obstáculos com que as pessoas com deficiência se confrontam
O desenvolvimento sustentável do País, quer económico quer social, terá de passar por uma intervenção decidida ao nível das condições de acessibilidade e mobilidade, que assegure a qualidade de vida de todos os cidadãos, bem como a competitividade no contexto regional, nacional e internacional.
A estrutura da nossa sociedade não corresponde, do ponto de vista físico, informativo e comunicacional, às necessidades da população (pessoas que não falam nem lêem português; que têm dificuldades de orientação espacial; que transportam carrinhos de bebé, pesos, etc.; pessoas com deficiência; idosos, grávidas, crianças; etc.), que vê a sua mobilidade condicionada pelos obstáculos com que deparam no seu dia-a-dia.
Um país planificado para todos – será esta a realidade em que as actividades económicas, culturais e sociais estarão facilitadas, em que não serão necessários tantos investimentos em equipamentos especiais. Uma visão de curto prazo só trará custos acrescidos, não só económicos, mas também sociais que decorrem da exclusão de parte significativa da população.
Embora tenha havido alguma preocupação em legislar sobre questões da mobilidade, tendo sido aprovada legislação desde 1997, o certo é que a inexistência de mecanismos reguladores desta legislação e os incumprimentos de que são alvo permitem que subsistam muitas das condições de inacessibilidade do meio físico, dos transportes, da comunicação e da informação.
A publicação do Dec-Lei 123/97, de 22/Maio, abriu novas perspectivas, já que legislava a acessibilidade aos edifícios que recebem público e via pública. Mas o seu cumprimento esteve longe de corresponder ao que o diploma estipulava e terminado o prazo concedido para que fossem realizadas obras de acessibilidade, o Governo optou por aprovar nova legislação, o que inviabilizou que os cidadãos ou entidades pudessem penalizar os infractores em tribunal.
Assim, surge o Dec-Lei 163/2006, de 8/Agosto que, embora alargue as normas técnicas aos edifícios de habitação, contém aspectos gravosos como alargar o prazo legal para adaptações, que termina em 2016.
Um estudo da DECO publicado na revista DECO PROTESTE (Fev./2006), sobre a acessibilidade em Portugal para as pessoas com deficiência motora, visual ou auditiva, revela que mais de 50 por cento dos inquiridos referem a impossibilidade de utilizar os transportes públicos; mais de um terço têm uma profissão, mas sentem dificuldade em desempenhá-la; 43 por cento apontam falta de condições nos acessos, 26 por cento falta de adaptação das casas de banho e 22 por cento obstáculos na circulação; mais de metade dizem que a maioria dos locais desportivos e de convívio não tem condições para se movimentarem; cerca de metade nunca navegou na Internet e muitos sítios da rede ainda não têm descrição áudio, comando verbal, interpretação gestual ou legendas para facilitar a comunicação.
Que mais de metade afirme ter dificuldades em aceder a um hospital e 46 por cento aos centros de saúde dá a exacta medida do caos que grassa ao nível das acessibilidades e, consequentemente, das limitações no exercício de direitos mais elementares.
Um estudo efectuado em 2013 aos transportes públicos, em Lisboa, permite ter uma visão mais aprofundada das dificuldades sentidas a este nível.
Carris – 50 por cento da frota está adaptado. Há queixas de avarias sistemáticas dos elevadores e demora na sua reparação e recusa por parte dos motoristas (que é legítima uma vez que estão proibidos de abandonar o volante) para accionar a plataforma elevatória, uma vez que, em grande parte dos autocarros, o sistema está colocado junto à porta de entrada do veículo.
Metro – 30 das 55 estações têm elevadores. Há queixas frequentes de avaria dos elevadores. O da estação do Rato está avariado há cerca de um ano.
Comboios – um elevado número de comboios da CP a operar em Lisboa ainda não tem acesso. Na linha de Sintra, os comboios que vão do Rossio para Sintra têm elevador mas os que circulam para outros destinos não têm acesso.
A proposta da Comissão Europeia integrada na comunicação sobre Uma Europa Livre de Barreiras para as Pessoas com Deficiência reveste-se de importância fulcral. Urge legislar, ao nível da Comunidade, a acessibilidade a todas as áreas dos transportes públicos. A Directiva 2001/85/CE, de 20/Novembro, transposta para a legislação nacional pelo Dec-Lei 58/2004, de 19/Março, veio colmatar a deficiente oferta de transportes rodoviários adaptados, o que se irá verificar ao longo dos anos uma vez que só se aplica na aquisição de novos veículos.
Para além das questões da mobilidade física, importa referir que as pessoas com deficiência auditiva, visual, ou com dificuldades de aprendizagem, enfrentam sérios obstáculos no acesso à informação e comunicação, tornando-os particularmente vulneráveis, se considerarmos a importância e velocidade a que circula a informação na sociedade actual.
O parecer do Comité Económico e Social sobre «A integração das pessoas com deficiência na sociedade» refere que as novas tecnologias podem desempenhar um papel essencial para suplantar os obstáculos com que as pessoas com deficiência se confrontam. Parecer que nos remete para as Ajudas Técnicas que, como é sabido, já existem adaptadas às várias áreas da deficiência e diversidade de ambientes. No entanto, o sistema de prescrição e de adjudicação é ainda moroso e pouco transparente.
A acessibilidade é uma questão transversal com implicações no acesso à educação, à formação, ao trabalho, à saúde, à cultura ou lazer, à participação cívica, entre outros, seja nas grandes áreas metropolitanas, seja no espaço rural, e atinge todos os estratos sociais e económicos. Assim, decorre óbvia a importância de se planear, executar, monitorizar e avaliar uma Política de Acessibilidade e Mobilidade multinivelada horizontalmente (transversalidade sectorial) e verticalmente (a nível nacional, regional e municipal).