A pequena escolha

Correia da Fonseca

Voltou a cha­mada Pri­meira Liga, o que aliás poucas ou ne­nhumas mu­ta­ções in­tro­duziu numa te­le­visão sempre apai­xo­nada pelo fu­tebol. As te­le­no­velas con­ti­nuam a ser o vício quo­ti­diano das grandes au­di­ên­cias, mas nesta pri­meira quin­zena de Se­tembro surgiu uma no­vi­dade nos ecrãs dos nossos te­le­vi­sores: de­bates bi­la­te­rais para con­quista de um trono ou, mais exac­ta­mente, de um ca­deirão re­pu­bli­cano. Por en­quanto apenas dois en­quanto um ter­ceiro e úl­timo ainda vem longe no ca­len­dário, entre can­di­datos, dois, à li­de­rança de um grande par­tido po­lí­tico por­tu­guês, «o maior par­tido da opo­sição», como cos­tuma ser re­fe­rido, em­bora não de­certo o mais em­pe­nhado numa pro­funda mu­dança po­lí­tica, mas essa é uma outra es­tória. Assim os te­les­pec­ta­dores são brin­dados com uma es­pécie de versão mo­derna dos du­elos que muito se usavam no sé­culo XIX, ainda que com dis­pensa dos pre­li­mi­nares tra­di­ci­o­nais: luvas lan­çadas à cara, pa­dri­nhos dos du­e­listas, coisas assim. Uma di­fe­rença subs­tan­cial em re­lação a esse an­tigo há­bito situa-se entre a dis­crição que então ro­deava essas mi­cro­pe­lejas, tra­vadas ge­ral­mente em sí­tios de­sertos e a horas de pouco mo­vi­mento, e a sua ac­tual co­lo­cação no lugar de maior vi­si­bi­li­dade entre todos os pos­sí­veis: a te­le­visão, para onde todas as noites con­vergem mi­lhões de olhares e ou­vidos. E não é assim por acaso, como bem se sabe: é que o ob­jec­tivo de cada um dos dois an­ta­go­nistas é con­vencer os mi­lhões de es­pec­ta­dores de que é ele, e não o outro, quem me­rece co­mandar a cru­zada que li­ber­tará esta santa terra de Por­tugal do do­mínio de uns ale­gados in­fiéis. Ha­vendo con­tudo um dado que po­derá ca­rac­te­rizar-se como des­con­cer­tante, se não de modo ainda mais agreste: é que, neste caso, a di­fe­rença entre cru­zados e in­fiéis está longe de ser ní­tida, antes pelo con­trário. Em­bora, re­co­nhe­çamo-lo, haja quem diga vê-la, o que pa­rece depor como prova da acui­dade vi­sual de muitos ci­da­dãos que dis­tin­guem duas re­a­li­dades di­fe­rentes mas entre si muito pa­re­cidas no que mais im­porta.

A mesma opção

Ti­vemos, pois, os dois pri­meiros de­bates dos três pre­vistos, e em rigor é pre­ciso con­fessar que não foram es­pec­tá­culos bo­nitos de ver. So­bre­tudo o pri­meiro, com perdão das opi­niões em con­trário. É certo que os te­les­pec­ta­dores de no­velas já estão ha­bi­tu­ados a as­sistir a hos­ti­li­dades, acu­sa­ções, in­trigas, ma­le­di­cên­cias, e por isso terão es­tra­nhado menos a sin­gu­la­ri­dade de exis­tirem, na vida apa­ren­te­mente real e fora do mi­ni­mundo das te­le­fic­ções, si­tu­a­ções algo se­me­lhantes. Em dados mo­mentos, quase ape­teceu gritar cá da ca­deira de te­les­pec­tador qual­quer coisa como «-Vá, te­nham modos, dis­cutam mas sejam amigos, lem­brem-se de que são do mesmo par­tido, olhem que há gente a ver e a ouvir!». É certo que a um dos du­e­listas pa­recia terem rou­bado a car­teira ou que es­taria em curso uma ten­ta­tiva nesse sen­tido, e bem se sabe que essa é uma coisa que custa a todos, mas ainda assim talvez fosse re­co­men­dável al­guma con­tenção. Fe­liz­mente que no se­gundo «round», di­gamos assim, as coisas de­cor­reram com me­lhores modos. Porém, ter-se-á sus­ci­tado nas ca­be­ci­nhas dos ci­da­dãos te­les­pec­ta­dores uma dú­vida em­ba­ra­çante e fun­da­mental: no fundo, afinal, o que é que de subs­tan­cial di­vide aqueles dois? Não será certo que ambos querem gerir a mesma forma de so­ci­e­dade, o mesmo for­mato sócio-po­lí­tico e eco­nó­mico cuja pro­funda vo­cação ra­dica na ex­plo­ração de uns por ou­tros, na ma­nu­tenção de for­tunas gi­gan­tescas en­quanto largas mai­o­rias são man­tidas na po­breza quando não na mi­séria? Ou, di­zendo-o de outro modo: não é ver­dade que ne­nhum deles tem como pro­jecto, ainda que apenas a médio prazo, a mu­dança ra­dical que seria a saída do mo­delo ca­pi­ta­lista nos úl­timos tempos ma­qui­lhado com de­sig­na­ções menos claras? Sendo assim, ape­tece muito dizer-lhes que mais vale mos­trarem-se amigos, par­ceiros, até ca­ma­radas, na opção que ambos es­co­lheram e pros­se­guem. Porque a agres­si­vi­dade de um contra o outro só lhes fica mal. E não con­vence nin­guém de al­guma pro­funda di­fe­rença, isto é, de que a dis­tância entre ambos pro­por­cione mais que uma pe­que­nina es­colha.




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