Marx entre nós – um filósofo de rosto humano

Domingos Lobo

Marx na Baixa, (Marx in Soho, no original) peça do dramaturgo norte-americano Howard Zinn, é um espectáculo teatral inesperado e brilhante. Inesperado porque foge aos códigos que, nestes tempos de desnorte cultural, parecem querer impor-se, em anódino cinzentismo, ao grosso das produções teatrais indígenas; inesperado pela lisura, acerto e comedimento levados a cabo nos processos da sua encenação; inesperado, sobretudo, pelo modo correcto como o actor, biólogo que a função teatral sempre seduziu, abordou este difícil monólogo, e deu forma, espessura, vigor e intencionalidade interpretativa a um difícil, complexo e fascinante Karl Marx.
O texto, esse, é sabido, tem andado a ser representado um pouco por todo o mundo e, a crer nas notas do excelente «texto de sala», com assinalável êxito. Peça escrita em 1999, só agora (mais vale tarde que nunca) chega a Portugal. E em tempo oportuno. Chega quando parece que o desespero, produto da alienação social e política meticulosamente levada a cabo por este Governo e suas derivantes luminárias, parece querer instalar-se avassalador no corpo orgânico do País. Chega num tempo em que os intelectuais da direita começam a «sair do armário» e a tentar impor, como única verdade absoluta, a sua mistificadora «visão do mundo», bastando-lhes para tanto
exibir um estilo, uma caricatura1 travestida de realidade, invadir o espaço mediático com subprodutos ditos culturais, não interromper o entretenimento, alimentar o conformismo dos media e prosseguir com eficácia a estratégia de sedução2 para que o cerco se consolide e o estupor fascizante de novo se imponha como alternativa natural e conforme aos desígnios históricos da burguesia.
Daí a importância e a oportunidade deste espectáculo, desta peça que agora e até dia 29 de Junho se exibe no espaço de A Barraca, no Teatro Cinearte.
Quem espera do teatro inquietação, inteligência e desafio; quem espera desse jogo de ilusões rarefeitas, desse ritual colectivo que o teatro é, o desfibrar dos signos, o desmontar dos lugares comuns, a limpidez da escrita (e sageza, a oportunidade crítica com que esta versão portuguesa, de António Santos, foi operada), e o humor que leva ao entendimento dialéctico do discurso teatral, que nos devolve um Marx tocável e humano, definidor dos mais lídimos «códigos da vida», esse espectáculo, raro entre nós, é este Marx na Baixa.
E ver André Levy a interpretar, de forma irrepreensível e exemplar este «filósofo de rosto humano» é, só por si, motivo bastante para uma ida ao teatro – à festa dos sentidos e da inteligência que este espectáculo, encenado com sóbria eficácia e sensibilidade por Mafalda Santos, a vários títulos é.
A não perder, obviamente.

 

1 Ver artigo de António Guerreiro, A Nova Direita, Ípsilon, Público, 20 de Junho 2014

2 idem




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