Falta uma política florestal
Foi aprovado pelo Parlamento, por unanimidade, o projecto de resolução que recomenda ao Governo a adopção de medidas com vista a assegurar maior eficácia no âmbito da prevenção e combate aos fogos florestais.
Enquanto as áreas de sobro e pinho regridem o eucalipto avança
LUSA
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A acompanhar o diploma esteve um relatório, aprovado igualmente por unanimidade em comissão, da responsabilidade do grupo de trabalho criado para analisar a problemática dos incêndios florestais, na sequência dos acontecimentos dramáticos ocorridos no ano passado.
Sem deixar de valorizar o ambiente construtivo que rodeou os trabalhos desta comissão, a bancada do PCP não deixou contudo de assinalar que não é a primeira vez que a Assembleia da República aprova relatórios – há pelos menos três – sobre matéria de fogos florestais. «O problema não é a falta de relatórios, recomendações ou legislação», observou o deputado comunista António Filipe, salientando que o problema reside é na «concretização». Exemplo disso, ilustrou, é a «Estratégia Nacional para a Floresta», contendo planos de prevenção, metas, calendarizações, mas cuja «concretização está muito aquém do programado».
Por isso o deputado António Filipe fez votos para que a AR daqui a uns anos não venha a decidir pela elaboração de novos relatórios por constatar que as recomendações agora aprovadas não tiveram cumprimento.
E daí ser fundamental, na perspectiva do PCP, que a AR monitorize a aplicação das recomendações, acompanhando permanentemente a execução que o Governo vier a fazer delas.
Para a importância da prevenção e do ordenamento florestal chamaram também a atenção os deputados comunistas. «É ao longo do ano que se combatem os fogos», reiterou António Filipe, salientando que só uma política adequada nestes dois domínio permite evitar os incêndios. Daí também a necessidade – e esse é um aspecto sublinhado no relatório – de que haja investimento e empenhamento público na prevenção e no combate aos fogos florestais.
Propostas do PCP
Importante sublinhar é, entretanto, a inclusão nas recomendações ao Governo agora aprovadas de duas propostas do PCP. Trata-se, num caso, da indicação clara de que é preciso garantir os fundos públicos para a execução de uma política florestal que aposte, nomeadamente, na prevenção.
A segunda proposta vai no sentido de que ao Estado compete assegurar os «equilíbrios entre a produção e a comercialização/transformação, sem o que dificilmente se garante a rentabilidade da actividade florestal».
«Só uma adequada rentabilidade pode garantir a gestão florestal activa, enquanto instrumento fundamental na prevenção dos incêndios florestais e na minoração da dimensão e estragos quando ocorrem», salientou João Ramos.
Estratégia, precisa-se!
Na abordagem à problemática dos incêndios florestais assume enorme relevância a questão da política florestal. É que «uma política de apoios sem estratégia nada resolve», advertiu João Ramos, que disse ter «muitas dúvidas» quanto à forma como nas últimas duas décadas foram utilizados fundos públicos, nomeadamente comunitários».
E evocou, a este propósito, o que se passou entre 1990 e 2013, período em que no mínimo foram disponibilizados mil milhões de euros para a silvicultura. Analisando os dados constatou que a média anual ardida foi de 138 mil hectares, quando nos treze anos anteriores essa média ardida tinha sido de 102 mil hectares, ou seja menos 36 mil hectares em média por ano. Mais, entre 2001 e 2014, houve dois incêndios extraordinários em que arderam 425 mil e 338 mil hectares, verificando-se assim que os maiores incêndios desde 1980 ocorreram na última década.
Já no que toca à empregabilidade, por outro lado, o que se observa em termos de média anual é que em 2013 existiam menos 192 mil empregos na agricultura, silvicultura e pescas (não há dados oficiais desagregados por estes grupos) do que em 2000, sendo que algumas estruturas referem a existência de menos 160 mil postos de trabalho só na floresta. Noutro plano ainda, verifica-se que as áreas de sobro e pinho regridem enquanto o eucalipto avança.
Daí que o PCP entenda que não basta haver investimento público – ainda que este seja fundamental – para que se produzam resultados positivos no capítulo da prevenção dos incêndios ou da criação de emprego. A ele associado, necessariamente, como anotou João Ramos, tem de estar uma «estratégia». E o problema é que a única estratégia do Governo tem sido a de «deixar os mercados funcionar», o que se tem traduzido na eucaliptização crescente (em detrimento de outras espécies) de vastas áreas para alimentar o sector da pasta de papel.
«Em vez de intervir para equilibrar, o Governo faz o contrário e promove legislação, tanto na arborização e reaborização como na alteração à lei dos baldios, para afunilar a produção para esse mesmo sector», criticou João Ramos, defendendo por isso uma adequada política de ordenamento da nossa floresta.