Eurovisão
«Hoje é dia de festa, cantam as nossas almas». Foi no domingo passado, num parque de merendas para os lados de Azeitão, o Renato, que faz o favor de ser meu sobrinho, fez anos, 13, ora bem, está um homenzinho, e nós, uma dúzia de gente predisposta a fazer do dia um acontecimento marcante, com uma alegria honesta, deixámos que as nossas almas cantassem o dia de festa e até houve um cartão de parabéns que rimava Aos 13 já eu cheguei / e sou eu mesmo quem diz / que do futuro não sei / mas sei que hei-de ser feliz.
No mesmo dia e à mesma hora, os executivos do governo germano/europeu de Portugal, que nos mentem dizendo que são o governo do País, cantavam, com dignidade nenhuma e sem alma, os pífios parabéns a si próprios comemorando a data do putativo fim da troika cá no burgo. Assim se fazem as cousas, como Gil Vicente ousou escrever desmascarando enganos, embora outros.
Uns poucos dias antes houve o Festival da Eurovisão, uma amostragem de efeitos cénicos com canções subalternizadas, barbas num rosto feminino adulterado, imensas bandeiras patrióticas de países diversos empunhadas pelos mesmos figurantes, um hino à mascarada e um massacre à inspiração (?) de letristas e compositores, que saudades de «What's Another Year», de «Warum Nur Warum» ou, mesmo, de «Waterloo», atrevendo-me eu a acrescentar as portuguesas «Menina» e «Portugal no Coração», peço desculpa aos melómanos mas há coisas de que não abdico e o Zé Barata Moura há-de dar-me razão, já que me chegou às mãos o seu livro «Três Ensaios em Torno do Pensamento Político e Estético de Álvaro Cunhal».
A votação foi a meias, neste concurso de cantigas (?), porque o público também votou. Porém, não há qualquer «democraticidade» nisso, onde estarão as urnas de voto, que telefonemas se farão, e por aí fora, quem compra o quê e como, etc.
Porém, no próximo domingo, vamos a votos e, esses, são pessoais, secretos, com escrutínio garantidamente fiscalizado. E, quer se queira quer não, é de Eurovisão que se trata, ou seja, é de uma visão – que é como quem diz uma vontade – da Europa que queremos ou em que posição nos colocamos perante ela, com ou sem euro, com ou sem o despotismo dos mercados, com ou sem as diferenças Norte-Sul, com ou sem tiranias alemãs, com ou sem reestruturação de dívidas, com ou sem solidariedade.
Falo de canções e ultrapasso-as, porque não embarco em cantigas. Canto-as, trauteio-as, pratico as suas mensagens quando a consciência assim mo dita. E escolho-as, porque a estética é, sempre, política, quer opte por ideologias, quer as negue, quer se abstenha, tomando posição mesmo quando proclama não tomar nenhuma. Por isso, entre os versos de «ninguém, ninguém poderá mudar o mundo» ou «o que faz falta é avisar a malta» a minha opção é clara.
Desculpa lá, Renato, que ainda achas que não tens nada a ver com isto mas, de facto, perceberás daqui a pouco que isto tem tudo a ver contigo. Vou-te dizer um dia que fui a votos na Eurovisão porque quis, porque quero que saibas que um dia hás-de ser feliz.