Oferecer apenas o empobrecimento
A ministra das Finanças repetiu no Parlamento que «não há novos cortes sobre os salários e pensões» da administração pública. É rigorosamente mentira, reagiu o PCP no debate de actualidade realizado por sua iniciativa, sexta-feira, 2, em torno do Documento de Estratégia Orçamental (DEO).
Aos sacrifícios já impostos o Governo acrescenta novos cortes e desta vez definitivos
Um debate cuja necessidade e urgência ficaram inteiramente comprovadas, na medida sobretudo em que permitiu clarificar qual é o programa que o Governo e a sua maioria têm para o País, plano esse que na perspectiva do PCP é de «retrocesso, atraso, endividamento e arrastar os portugueses para a miséria e o empobrecimento».
«Por muitas voltas que dêem não conseguem esconder o que é óbvio: querem continuar a política de agressão aos portugueses, pelos menos até 2018», acusou o líder parlamentar comunista, assinalando que essa agressão se materializa não apenas por via da «manutenção dos sacrifícios que estavam criados mas também por novos cortes e desta vez definitivos».
É isso que acontece com as medidas relativas quer à tabela remuneratória única quer às pensões. «O que o Governo quer é que essas medidas passem a ter um carácter definitivo, denunciou João Oliveira, lembrando que foi o próprio ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar a afirmar sempre que seriam só até 2014.
Mistificação
Afinados sob a mesma batuta, os partidos da maioria tudo fizeram para desviar o enfoque do debate, ignorando as medidas e dedicando-se a glorificar a acção do Governo. Este DEO «marca o início da recuperação dos rendimentos», disse Cecília Meireles, CDS-PP, argumentando que o aumento do IVA e da TSU é para «assegurar que as pessoas podem receber as suas pensões». Essa fora já a tese de Luís Montenegro (PSD) – «são receitas consignadas ao sistema de pensões», frisou –, em duas intervenções marcadas pela mistificação grosseira em torno da alegada saída da troika, a tresandar a propaganda eleitoral, ao ponto de proclamar que a «austeridade de emergência acabou no nosso País». Elogiou a «economia a crescer», o «desemprego a diminuir», a «credibilidade recuperada», não vendo razões para este debate «a 15 dias da saída da troika, da saída mais favorável que podíamos antecipar».
Justo é dizer, por isso, que este posicionamento da maioria e do Governo foi mais um episódio da série com que pretendem «entreter o País com o discurso das saídas limpas ou saídas à irlandesa», como assinalou João Oliveira.
Cortina de fumo que se revelou porém insuficiente para impedir que se veja – e este DEO só o confirma – que por vontade do Governo a política de agressão é para continuar.
Mais, o que fica demonstrado com este documento é que o Governo viola todos os compromissos que assumiu com os portugueses, sendo ainda um desmentido a todas as suas afirmações.
Mentiras
Comprovado pela bancada comunista foi, assim, desde logo e como questão central, que não há redução gradual dos cortes dos salários. «Os senhores deveriam estar agora a devolver os salários e pensões e o que estão a dizer aos portugueses é que terão pela frente mais cortes e que na melhor das perspectivas só em 2020 alcançarão o nível salarial que havia antes dos cortes de 2009», sublinhou João Oliveira, para quem isto só tem um nome: «mentir aos portugueses».
Provado foi ainda pela bancada comunista que, com o DEO, o Governo o que faz é impor «um roubo acentuado em relação ao que já existia».
Com efeito, não há devolução de salários, nem devolução do poder de compra, como diz o Governo e a maioria. O que há, como salientou o deputado comunista Miguel Tiago, é uma nova perda do poder de compra com o aumento das contribuições, com o aumento da ADSE, e com novas medidas como é por exemplo a chamada requalificação a que serão sujeitos os trabalhadores da administração pública e que ficarão com o salário reduzido a 40 por cento.
Declaração de guerra
«Onde é que estes trabalhadores vão recuperar o poder de compra? Como é que o Governo compatibiliza estas medidas do DEO com a devolução dos direitos e dos salários e das pensões aos portugueses a quem disseram que os cortes eram temporários?», inquiriu, ainda, João Oliveira, sem obter resposta para a sua questão.
Como por conhecer ficou também a explicação do Governo para que, mesmo impondo tudo isto aos trabalhadores e ao povo, possa vir simultaneamente dizer no DEO que em 2015 aumentarão os encargos com as PPP. «Como é que se diz que haverá mais privatizações, mais concessões e não há uma palavra sobre redução dos benefícios fiscais aos grupos económicos e financeiros?», insistiu em questionar o presidente da formação comunista, vendo em tudo isto uma política a duas velocidades: «penalização de quem trabalha e engorda dos lucros e da especulação».
«O que fazem ao aprovar este DEO é uma declaração de guerra aos portugueses – dizendo que vão ter de continuar a empobrecer enquanto outros enriquecem –, e que por vontade do Governo esse empobrecimento da maioria para o enriquecimento de uns poucos vai continuar definitivamente», concluiu, em síntese, João Oliveira.
É sempre a roubar
Este foi um debate onde Maria Luís Albuquerque, obedecendo rigidamente ao guião que levava, repetiu os eixos com os quais o Governo constrói o «embuste pré-eleitoral acerca da pretensa saída da troika», como bem assinalou o deputado comunista Paulo Sá.
Isso foi visível de resto logo na primeira intervenção da responsável das Finanças, apostada em debitar uma cantilena de generalidades sem nunca tocar, em concreto, nas medidas constantes do DEO, essas sim a verdadeira razão daquele debate.
Que o «documento confirma o rumo do País numa estratégia de sustentabilidade», que «para assegurar o Estado social é preciso cuidar das contas públicas», que é preciso «manter o rumo e a disciplina», foram trivialidades com as quais se procurou camuflar o que de mais visível ressalta do DEO: medidas que incidem sobre salários e pensões e que aumentam os impostos (taxa normal do IVA para 23,25%).
Medidas que se traduzem em perda de rendimento, seja pelo aumento das contribuições para os sistemas de previdência social em 0,2%, seja pelo aumento da contribuição para a ADSE, seja pela redução ou eliminação dos suplementos remuneratórios, seja ainda pelas alterações à tabela remuneratória única.
Traduzindo por miúdos, o que tais medidas significam é que os trabalhadores vão perder rendimento e os portugueses vão sofrer um aumento do IVA.
O embuste da «saída da troika»
Desmontada pela bancada comunista foi a linha de propaganda governamental sobre a suposta saída da troika. «Com este Governo e esta política não há saída da troika e a agressão vai continuar pelo menos até 2018», asseverou Paulo Sá, logo a abrir o debate.
«Como é que o Governo pode continuar a falar em saída da troika se, no momento em que devia devolver salários, pensões e direitos, anuncia novos cortes para 2015?», questionou o deputado do PCP.
Mas não é apenas esta circunstância que deita por terra a operação mistificadora do Executivo. Pondo a nu o paradoxo, Paulo Sá interrogou-se sobre a razoabilidade de se falar em saída da troika quando afinal o Governo pretende continuar a aumentar os impostos.
«Como é que pode falar em saída da troika e em fim do protectorado se continua a destruir o País e a vida dos portugueses em nome do Tratado Orçamental e das imposições da União Europeia?, inquiriu, antes de deixar uma pergunta final: «Como é que se pode repetir que no dia 17 de Maio vamos liberta-nos da troika se ao mesmo tempo apresenta planos concretos para manter pelo menos até 2018 a política de exploração e empobrecimento dos PEC e da troika?»
Em síntese, é por estas e por outras que o PCP sublinha a exigência de romper com esta política e a urgência da derrota do Governo e sua demissão. Para que o futuro não seja «apenas uma versão pior do presente».