Renegociar a dívida – defender o Povo, defender o País

Política da troika não é inevitável

Paulo Sá

Logo no início da pre­sente le­gis­la­tura, em Junho de 2011, o PCP apre­sentou na As­sem­bleia da Re­pú­blica o Pro­jecto de Re­so­lução n.º 4/​XII, onde de­fendia a re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica e o de­sen­vol­vi­mento da pro­dução na­ci­onal. A apre­sen­tação desta ini­ci­a­tiva le­gis­la­tiva ocorria pouco mais de um mês de­pois de o PS, PSD e CDS – os par­tidos da troika in­terna – terem ne­go­ciado e as­si­nado com a troika ex­terna – Co­missão Eu­ro­peia, Banco Cen­tral Eu­ropeu e Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal – o cha­mado Pro­grama de As­sis­tência Eco­nó­mica e Fi­nan­ceira, que o PCP ca­rac­te­rizou desde o pri­meiro mo­mento como um pacto de agressão contra o povo por­tu­guês e de sub­missão aos in­te­resses do grande ca­pital na­ci­onal e es­tran­geiro.

Se há três anos a pro­posta do PCP de re­ne­go­ci­ação da dí­vida ti­vesse sido aco­lhida, Por­tugal não tinha che­gado ao ponto a que chegou

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Nos meses an­te­ri­ores, po­lí­ticos e ideó­logos ne­o­li­be­rais, da so­cial-de­mo­cracia aos con­ser­va­dores, gente do PS, do PSD e do CDS de­sen­vol­veram uma in­tensa cam­panha para apre­sentar o Me­mo­rando da troika como um pro­grama de ajuda a Por­tugal, sem o qual o Es­tado por­tu­guês não teria di­nheiro para pagar sa­lá­rios e pen­sões, nem para su­portar os en­cargos com as fun­ções do Es­tado, em par­ti­cular as suas fun­ções so­ciais. Ale­ga­da­mente, sem o pro­grama da troika o País iria à ban­car­rota e o nível de vida dos por­tu­gueses afundar-se-ia.

Com esta cam­panha de medo e chan­tagem o que se pre­tendia era es­conder dos por­tu­gueses que o pro­grama da troika tinha como ob­jec­tivos ga­rantir que aqueles que ha­viam es­pe­cu­lado com a dí­vida so­be­rana – nos úl­timos anos, mas par­ti­cu­lar­mente em 2010 e 2011 – re­ce­be­riam até ao úl­timo cên­timo o pro­duto da sua agi­o­tagem e ainda que se pro­ce­deria à apli­cação de um con­junto de me­didas des­ti­nadas a es­po­liar os tra­ba­lha­dores dos seus di­reitos e ren­di­mentos e a con­cre­tizar a velha as­pi­ração da di­reita de re­con­fi­gurar o Es­tado, co­lo­cando-o ao ser­viço dos in­te­resses dos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros. Aliás, aqueles que re­pe­tiam até à exaustão que o pro­grama da troika se des­ti­nava a evitar uma si­tu­ação de in­ca­pa­ci­dade do Es­tado para pagar sa­lá­rios e pen­sões, quando se apa­nharam no Go­verno – de­pois de uma eleição em que tudo fi­zeram para si­len­ciar o con­teúdo con­creto do pacto de agressão – a pri­meira me­dida que im­pu­seram foi exac­ta­mente um ataque aos sa­lá­rios e às pen­sões por via do con­fisco de me­tade do sub­sídio de Natal, logo em 2011, e no Or­ça­mento do Es­tado para 2012 man­ti­veram a re­dução re­mu­ne­ra­tória acor­dada por PS e PSD no âm­bito do PEC 3 e con­fis­caram os sub­sí­dios de Natal e de fé­rias, além de muitas ou­tras me­didas des­ti­nadas a li­quidar di­reitos e con­quistas de­mo­crá­ticos dos tra­ba­lha­dores. Em al­ter­na­tiva a este rumo de agra­va­mento da po­lí­tica de di­reita, por via da im­po­sição do Me­mo­rando da troika, o PCP, dando se­gui­mento ao com­pro­misso as­su­mido com o povo por­tu­guês no de­correr da cam­panha elei­toral, apre­sentou for­mal­mente na As­sem­bleia da Re­pú­blica uma pro­posta de re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica, ar­ti­cu­lada com ou­tras me­didas vi­sando o cres­ci­mento eco­nó­mico, a cri­ação de em­prego e a de­fesa dos in­te­resses e da so­be­rania na­ci­onal.

Im­porta de­termo-nos um pouco sobre o con­teúdo do Pro­jecto de Re­so­lução do PCP, já que os nossos ad­ver­sá­rios po­lí­ticos ten­taram, por todos os meios, des­va­lo­rizar, de­turpar e até ca­ri­ca­turar a ini­ci­a­tiva do PCP.

O ca­minho pro­posto pelo PCP de re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica nos seus prazos, juros e mon­tantes, longe de cons­ti­tuir uma me­dida iso­lada, cons­titui uma opção clara pela de­fesa da pro­dução na­ci­onal, di­mi­nuição da de­pen­dência ex­terna e ele­vação dos sa­lá­rios e das pen­sões. Um ca­minho que não só as­sume o pa­ga­mento da dí­vida e o cum­pri­mento dos com­pro­missos le­gí­timos, como de­fende uma es­tra­tégia sus­ten­tável de es­ta­bi­li­zação fi­nan­ceira, só pos­sível através da con­cre­ti­zação de po­lí­ticas de cres­ci­mento eco­nó­mico, de re­forço do in­ves­ti­mento pro­du­tivo, de cri­ação de em­prego e de pro­moção do equi­lí­brio das contas pú­blicas.

A pro­posta do PCP de­fendia que o pro­cesso de re­ne­go­ci­ação, par­tindo de uma ava­li­ação prévia formal, com­pleta e ri­go­rosa da na­tu­reza e di­mensão da dí­vida, de­veria as­se­gurar um ser­viço da dí­vida com­pa­tível com cres­ci­mento eco­nó­mico, in­de­xando o valor dos juros a pagar anu­al­mente a uma per­cen­tagem das ex­por­ta­ções, bem como de­veria sal­va­guardar os pe­quenos afor­ra­dores e o sector pú­blico ad­mi­nis­tra­tivo e em­pre­sa­rial do Es­tado. Um pro­cesso de re­ne­go­ci­ação da dí­vida, ne­ces­sa­ri­a­mente acom­pa­nhado de uma ofen­siva di­plo­má­tica e ne­go­cial junto de ou­tros países que en­fren­tavam pro­blemas si­mi­lares, da di­ver­si­fi­cação das fontes de fi­nan­ci­a­mento, da con­so­li­dação das fi­nanças pú­blicas, e de uma po­lí­tica de de­fesa e pro­moção da pro­dução na­ci­onal («pro­duzir cada vez mais para dever cada vez menos!»).

A pro­posta do PCP de re­ne­go­ci­ação da dí­vida foi dis­cu­tida e vo­tada em fi­nais de Junho de 2011, num de­bate em que – as­si­nale-se – o Go­verno não quis estar pre­sente, tendo sido re­jei­tada com os votos con­ju­gados dos par­tidos da troika in­terna – PS, PSD e CDS – que, desta forma, as­su­miram ine­qui­vo­ca­mente a opção pelo agra­va­mento da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, pelo au­mento ge­ne­ra­li­zado de im­postos e de preços; pelos cortes na saúde, na edu­cação e na se­gu­rança so­cial; pelos cortes nos in­ves­ti­mentos pú­blicos e pelas pri­va­ti­za­ções; enfim, pelo em­po­bre­ci­mento da es­ma­ga­dora mai­oria dos por­tu­gueses em be­ne­fício de uma ín­fima mi­noria.

PCP tem al­ter­na­tiva

À me­dida que o tempo foi pas­sando e que o pro­grama da troika des­truía a eco­nomia na­ci­onal e em­po­brecia os por­tu­gueses, a exi­gência da re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica não só não perdia ac­tu­a­li­dade como foi con­gre­gando apoios de di­versos qua­drantes, al­guns dos quais, algum tempo antes, du­vi­davam da sua uti­li­dade e exe­qui­bi­li­dade. Um ano de­pois de subs­crito o Me­mo­rando da troika, em Junho de 2012, o PCP re­a­pre­sentou a sua pro­posta de re­ne­go­ci­ação da dí­vida. Por­tugal atra­ves­sava uma das mais graves re­ces­sões eco­nó­micas de que há re­gisto, com ní­veis de de­sem­prego ele­va­dís­simos, fa­lência de mi­lhares de pe­quenas em­presas, pa­ra­li­sação do fi­nan­ci­a­mento da eco­nomia, au­mento ina­cei­tável e in­justo dos preços dos bens de pri­meira ne­ces­si­dade, a par dos cortes nos sa­lá­rios e nas re­formas, do con­fisco dos sub­sí­dios de fé­rias e de Natal, dos cortes das pres­ta­ções so­ciais e do sub­sídio de de­sem­prego, ou na vi­o­lação dos di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais mais ele­men­tares e fun­da­men­tais, seja na pro­moção do des­pe­di­mento sem justa causa, seja na vi­o­lação do di­reito à saúde ou à edu­cação. A dí­vida, essa, tinha au­men­tado em flecha. Em fi­nais de 2011 as­cendia já a 184 mil mi­lhões de euros (mais de 108% do PIB), en­quanto os juros da dí­vida pú­blica atin­giram os 6900 mi­lhões de euros (mais 44% do que em 2010). Já nessa al­tura a dí­vida se re­ve­lava li­te­ral­mente im­pa­gável.

Apesar do agra­va­mento da si­tu­ação na­ci­onal e das mais que evi­dentes de­sas­trosas con­sequên­cias do pro­grama da troika, PS, PSD e CDS per­sis­tiam nesse rumo, tendo re­jei­tado a pro­posta do PCP para a re­ne­go­ci­ação da dí­vida (em fi­nais de Julho de 2012).

Pe­rante a con­fir­mação do de­sastre eco­nó­mico e so­cial re­sul­tante da po­lí­tica do Go­verno, pe­rante o ataque sis­te­má­tico aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e o povo, pe­rante a trans­fe­rência para o grande ca­pital de par­celas cres­centes da ri­queza na­ci­onal, o PCP voltou a apre­sentar a sua pro­posta de re­ne­go­ci­ação da dí­vida uns meses de­pois, em Se­tembro de 2012. Tor­nava-se claro, para um nú­mero cada vez maior de por­tu­gueses, que o pacto de agressão as­si­nado por PSD, PS e CDS com a troika es­tran­geira não só era con­trário aos in­te­resses de de­sen­vol­vi­mento e pro­gresso do País, como nem se­quer ga­rantia a con­cre­ti­zação dos ob­jec­tivos que ser­viam de pre­texto para quem o apli­cava e de­fendia: o equi­lí­brio das contas pú­blicas, a di­mi­nuição e o pa­ga­mento da dí­vida pú­blica. Esta úl­tima atingia, em fi­nais de 2012, mais de 204 mil mi­lhões de euros (124% do PIB) e os juros já ul­tra­pas­savam os 7100 mi­lhões de euros anuais.

Também dessa vez a pro­posta do PCP de re­ne­go­ci­ação da dí­vida em­bateu na opção in­tran­si­gente do PS, PSD e CDS de não be­lis­carem os in­te­resses dos cre­dores.

Re­cen­te­mente, apa­re­ceram per­so­na­li­dades de di­versos qua­drantes po­lí­ticos, da di­reita à es­querda, – al­gumas delas com res­pon­sa­bi­li­dades por três anos de pacto de agressão – a de­fen­derem que a dí­vida pú­blica é in­sus­ten­tável, que não pode ser paga, a de­fen­derem uma pro­posta li­mi­tada de re­ne­go­ci­ação par­cial da dí­vida. Foi pre­ciso que a vida dos por­tu­gueses ti­vesse sido ar­rui­nada pela apli­cação do pacto de agressão, foi pre­ciso que a eco­nomia atra­ves­sasse o mais longo pe­ríodo de re­cessão da his­tória da nossa de­mo­cracia, foi pre­ciso que a dí­vida ti­vesse dis­pa­rado para quase 130% do PIB, para que certos sec­tores da nossa so­ci­e­dade se con­ven­cessem da in­sus­ten­ta­bi­li­dade da dí­vida e se apro­xi­massem das pro­postas do PCP.

Se há três anos a pro­posta do PCP de re­ne­go­ci­ação da dí­vida ti­vesse sido aco­lhida, Por­tugal não tinha che­gado ao ponto a que chegou. É co­nhe­cida a in­tenção do Go­verno e dos par­tidos que o su­portam de pro­longar a po­lí­tica de em­po­bre­ci­mento para além do fim do pro­grama da troika, con­tando para isso com a co­la­bo­ração do PS, que com eles aprovou os ins­tru­mentos ne­ces­sá­rios a esse ob­jec­tivo. Usando como pre­texto a re­dução da dí­vida, es­ta­be­lecem até um ho­ri­zonte tem­poral para essa po­lí­tica de em­po­bre­ci­mento, 2035! Mas a po­lí­tica da troika – com ou sem a troika – su­bor­di­nada ao pa­ga­mento de uma dí­vida im­pa­gável, não é uma ine­vi­ta­bi­li­dade. Há uma al­ter­na­tiva! Aquela que o PCP apre­sentou no dia 5 de Abril de 2011: a re­ne­go­ci­ação da dí­vida. Re­a­fir­mando esta al­ter­na­tiva, re­as­su­mimos o com­pro­misso de apre­sentar, em breve, na As­sem­bleia da Re­pú­blica uma nova pro­posta de re­ne­go­ci­ação da dí­vida, para a qual con­tribui a re­a­li­zação deste Co­ló­quio.

 

In­ter­venção no Co­ló­quio Re­ne­go­ciar a dí­vida – de­fender o Povo, de­fender o País pro­mo­vido pelo PCP a 25 de Março na As­sem­bleia da Re­pú­blica.

Tí­tulo e sub­tí­tulos da res­pon­sa­bi­li­dade da Re­dacção.