A privatização das empresas públicas de transportes

Modesto Navarro

Está em curso, pelo Governo PSD/CDS-PP, o processo de concessão de transportes públicos a privados, abrangendo o Metropolitano de Lisboa e do Porto, a Carris, o STCP e a Transtejo/Soflusa. Tal operação, integrada no memorando de entendimento e divulgada pelo FMI e pela Comissão Europeia, terá lançamento previsto no fim de Março.

Serão concessões de 15 anos, depois dos desastres de tantas parcerias público-privadas que têm um dos expoentes máximos no Metro Sul do Tejo, em prejuízos imensos desde há anos, cobertos pelo Estado com o dinheiro dos contribuintes, tal como aconteceu na Fertagus. São empresas e concessões que, ainda por cima, não estão integradas no passe social intermodal.

As lições que era necessário tirar não são tiradas quando se trata de fartar mais vilanagem, ou seja, os abutres aí estão de novo perfilados para comerem a carne que o Governo lhes oferece, enquanto os ossos, os aumentos de preços, as deficiências dos serviços privados, os problemas e as dívidas ficam para serem pagos pela maioria da população das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, por quem trabalha e paga os seus impostos.

Nos países civilizados, nos que não são protectorados nas mãos do FMI, da Alemanha, do BCE e da Comunidade Europeia, os transportes e a mobilidade são entendidos e geridos tendo em conta as economias e o desenvolvimento integrado das regiões e de cada país. Trata-se de uma questão estratégica e nuclear para a vida dos trabalhadores e das empresas, para o direito das populações a transportes eficientes e de qualidade no dia-a-dia de trabalho, nas horas de lazer e de encontro com a família, a cultura e outras áreas da nossa vida.

Mas em Portugal não é assim, com esta frente dos transportes e da mobilidade, com tudo quanto é essencial para a nossa independência, soberania e gosto de viver. Tudo o que pode dar mais dinheiro aos potentados e aos amigos, foi vendido ou vai estar à disposição dos que irão aumentar preços, reduzir ainda mais a oferta de transportes, obrigar os trabalhadores e as populações a mais sacrifícios e horas gastas nas deslocações, ao aprisionamento nos lugares onde vivem, sem acesso ao que é essencial para um mínimo de qualidade de vida.

A história dos transportes e da mobilidade é longa e teve agora mais cortes por parte da Carris, que suprimiu carreiras e fez encurtamentos de outras, na continuação da degradação do serviço público que visa criar mais desconforto e revolta. A supressão de carreiras e horários e a ensaiada fusão da Carris e do Metropolitano visam essas concessões a privados e despedimento de trabalhadores que diariamente asseguram este serviço público essencial para quem vive e trabalha em Lisboa e se desloca na área metropolitana.

A questão da dívida das empresas públicas dos transportes, agitada aos olhos de quem é necessário amedrontar e submeter, resulta, como o Governo sabe e até admite, da política de desorçamentação e subfinanciamento sucessivos, ao longo dos anos, transferindo a responsabilidade para as empresas do Sector Empresarial do Estado, com investimentos em infraestruturas e renovação de frotas, que se vêem obrigadas a recurso sistemático à banca, substituindo o Estado por falta de verbas inscritas nos vários orçamentos.

A injusta e discriminatória repartição das receitas do Passe Social Intermodal tem penalizado as empresas do Estado e favorecido as empresas privadas.

Em Portugal, os utentes pagam directamente cerca de 60 por cento dos custos operacionais, o que atesta a fuga a responsabilidades da parte do Estado e dos governos em serviços públicos essenciais e decisivos para a afirmação do trabalho e da criação de riqueza, para o encontro e a liberdade de circulação, para a vida social, económica e cultural que é imprescindível e que eleva a qualidade da nossa existência e o crescimento humano necessário à afirmação independente deste País e deste povo.

Uma AMT ao serviço da região

Os planos e decisões dos últimos governos configuraram sempre formas de tornar mais fáceis e acessíveis as concessões agora anunciadas.

O Plano Estratégico de Transportes já correspondia de facto a um plano de privatizações: reestruturações necessárias a esse objectivo; cortes de carreiras e horários; situações de manipulação e propaganda que neutralizassem a resistência dos utentes; medidas de redução dos trabalhadores e do preço da força de trabalho e aumentos de custos para quem tem de se deslocar todos os dias; impedimento de deslocações para isolar as pessoas nos redutos onde vivem já com tantas dificuldades.

Esse Plano não tem reflexão nem perspectiva sobre a questão energética, sobre a relação dos transportes e da mobilidade com o aparelho produtivo nacional, sobre a relação transportes colectivos/transporte individual, sobre as questões ambientais, equilíbrio territorial, ordenamento urbano e questões de segurança. Nenhuma avaliação séria sobre as necessidades de ligações nacionais e internacionais, sobre a situação actual e perspectivas de futuro no que respeita ao tráfego de mercadorias ou à circulação de passageiros. Nada sobre o mar, sobre a Marinha Mercante. Os governantes e criados obedientes pegaram sobretudo nas revindicações dos grupos capitalistas interessados em apanhar as áreas de lucro certo e justificam-nas com afirmações não fundamentadas e propagandísticas. Trata-se de um plano estratégico para as concessões e privatizações, em parcerias público-privadas que ficarão de novo às costas de quem trabalha e das populações, nos prejuízos e custos já tão conhecidos de outras parcerias amigáveis entre a corrupção, a ganância de mais lucros e a má política dos governos.

Nesta nova ofensiva, não são ouvidos os municípios das áreas metropolitanas, as populações e comissões de utentes que propõem medidas e protestam contra os cortes de transportes e aumentos de preços, nem os trabalhadores das empresas. A Autoridade Metropolitana de Transportes é uma sombra submetida à mão armada e maioritária do Governo, sem meios financeiros e técnicos. Deveria ser uma Autoridade Metropolitana democrática e representativa das diversas instituições locais e regionais, com acção e trabalho na procura de soluções adequadas ao desenvolvimento económico da região, à circulação e à mobilidade de pessoas e bens, mas não é. Tudo não passa de ambições privadas e de concessões preparadas por quem não vê nem quer ver a realidade dos factos e que quer dar mais protecção e benefícios aos operadores privados, na criação de condições para ainda maior ruptura de serviços essenciais que tem provocado diminuição da oferta e de utentes.

O PCP está contra estas medidas de concessão de transportes e de empresas a quem apenas visará o negócio e o lucro à custa do sacrifício dos serviços públicos, das populações e dos trabalhadores. A alienação de património e empresas estratégicas significará mais atraso, mais dificuldades nos transportes e na mobilidade, maior dependência do capital estrangeiro, menor independência e soberania. Este Governo é um governo contra a Constituição da República Portuguesa, contra o trabalho, contra o País, contra o desenvolvimento económico, social e cultural e a criação de riqueza. Trata-se apenas de um posto de negócios e de um pombo-correio que leva sempre no bico a boa-nova para os patrões do País e do estrangeiro. Está fora de lei e, portanto, deve ser demitido urgentemente, antes que consuma estes e outros crimes de lesa-pátria e de indigência comandada pelas troikas e patrões deliciados com o provincianismo e a obediência cega que o determina e marca.

Apresentámos propostas na Assembleia Municipal em defesa das empresas públicas de transportes, do desenvolvimento económico, social e cultural integrado, dos interesses legítimos de quem vive e trabalha na região de Lisboa. Este órgão municipal tem de intervir e de se pronunciar contra um processo vergonhoso e servil que irá ajudar a destruir ainda mais os direitos públicos e a vida de Lisboa e da área metropolitana.

 



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