A falsa prioridade do amianto
Para entregar os Estaleiros Navais de Viana do Castelo à Martifer, bastaram uns meses e o pretexto de a UE ameaçar com um inquérito. Para inventariar os edifícios públicos que contêm amianto e tomar medidas urgentes para proteger a saúde de trabalhadores e utentes, este e os anteriores governos mostraram muito menos celeridade.
Os perigos do amianto e a urgência de serem tomadas as providências adiadas há décadas voltaram a ocupar o topo de alguns noticiários, no princípio deste mês, a propósito de protestos de quem trabalha no edifício da direcção-geral de Energia, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa. Confrontado de novo com este caso, durante o debate quinzenal de sexta-feira, o primeiro-ministro reconheceu na AR que há um «atraso» na inventariação dos edifícios públicos que contêm amianto, e assegurou que este levantamento deverá estar concluído em dois meses. No dia 31 de Janeiro, também interpelado por Heloísa Apolónia, do PEV, Passos Coelho já tinha prometido «acelerar» a inventariação.
Na semana passada, a CGTP-IN e a Fenprof divulgaram posições públicas sobre este problema, a lembrar, mais uma vez, que nenhum governante deveria ficar surpreendido perante cada caso concreto, muito menos pode fazer de conta que vai começar de novo...
A primeira lei sobre esta matéria vem de 1987, a última foi publicada há três anos. Pelo meio, fica bem claro que, apesar dos perigos que justificariam toda a urgência, o amianto tem sido uma falsa prioridade.
Grave problema de saúde pública
«O Governo não cumpre a lei e agrava um problema de saúde pública», acusou a CGTP-IN, no comunicado de imprensa que divulgou dia 6. Trata-se, «há longos anos», de «uma gravíssima questão de saúde pública» e «não é aceitável que a saúde de inúmeros trabalhadores e cidadãos esteja a ser posta diariamente em risco, com potenciais efeitos irreparáveis a longo prazo, sem que o Governo assuma as suas responsabilidades», sublinhou a central, que exigiu uma série de medidas:
– a inventariação urgente de todos os edifícios, equipamentos e instalações públicas, cuja construção contenha amianto;
– a divulgação pública da listagem efectuada;
– a elaboração de um plano de acção calendarizado, tendo em vista a remoção e substituição do amianto ou, quando não seja possível, a transferência imediata dos serviços;
– a manutenção de um registo público de todos os edifícios que sejam fonte de exposição profissional ou ambiental ao amianto;
– a garantia de vigilância epidemiológica activa de todos os trabalhadores e utilizadores frequentes de edifícios com amianto;
– a atribuição de indemnizações a todos os trabalhadores ou utilizadores frequentes, comprovadamente afectados pela exposição ao amianto;
– a elaboração e divulgação de estatísticas credíveis, relativas a casos de doença ou morte relacionados com a exposição ao amianto.
Usado e proibido
O amianto, recorda-se na nota da Intersindical, é uma fibra mineral e foi largamente utilizado, durante muitos anos, sobretudo como material de construção, até que se concluiu tratar-se de um produto perigoso e potencialmente cancerígeno.
De facto, especialmente com a degradação provocada pelo tempo, este material solta minúsculas partículas fibrosas, que ficam suspensas no ar e são facilmente inaladas. Com a exposição continuada, as partículas vão-se acumulando nos pulmões e, a longo prazo, podem provocar lesões pulmonares, mesoteliomas e cancros pulmonares.
Após a divulgação de vários estudos científicos que estabeleciam uma relação causal entre a exposição ao amianto e o cancro de pulmão, a União Europeia emitiu, em 1983, as primeiras normas para restrição do uso do amianto e protecção dos trabalhadores contra os riscos de exposição (Directiva 83/478/CEE, do Conselho, de 19 de Setembro).
Ainda se considerava, então, que nem todas as fibras de amianto eram perigosas, mas investigações posteriores concluíram que, na realidade, todas as fibras de amianto são cancerígenas, qualquer que seja o seu tipo ou origem geológica. O Programa da Organização Mundial de Saúde sobre Segurança de Substâncias Químicas concluiu, por outro lado, que não são conhecidos valores-limite de exposição, abaixo dos quais não haja risco cancerígeno.
O amianto passou, assim, a constituir um relevante factor de mortalidade relacionada com o trabalho e um grave risco de saúde pública, a nível mundial. Os seus efeitos, na maioria dos casos, surgem vários anos depois da exposição.
A colocação no mercado e a utilização de produtos de (ou com) amianto foram proibidas. Uma nova Directiva Europeia (2003/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Março) substituiu a anterior, limitando e proibindo com carácter definitivo actividades que implicam a exposição ao amianto e determinando a especial protecção dos trabalhadores eventualmente expostos, sobretudo em trabalhos de remoção e demolição.
Em Portugal, o amianto foi largamente utilizado como material de construção ao longo das décadas de 70 e 80 do século passado. Está presente em inúmeros edifícios, incluindo escolas, instalações governamentais e outros edifícios e equipamentos públicos, muitos dos quais ainda não foram devidamente identificados e sinalizados.
Foi adoptada a legislação europeia. A primeira lei foi publicada em 1987 (Decreto-Lei 28/87, de 12 de Janeiro) e a directiva de 2003 foi transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei 266/2007, de 24 de Julho, em vigor. Mas a aplicação destas normas tem conhecido muitas vicissitudes.
Numa primeira fase, as empresas que produziam e comercializavam as diversas fibras de amianto resistiram firmemente à aplicação das restrições e proibições legais, negando as evidências científicas e insistindo na não perigosidade de, pelo menos, algumas fibras. Isto dificultou e atrasou a aplicação das restrições e das medidas de protecção.
Numa segunda fase, a inacção e passividade dos governos tornou-se um obstáculo à resolução do grave problema de saúde pública que decorre de haver numerosos edifícios públicos com amianto.
Tendo em vista a necessidade urgente de resolver este problema, a Assembleia da República emitiu pelo menos duas resoluções, a última das quais – 24/2003, de 2 de Abril – recomenda ao Governo que, no prazo máximo de um ano:
– proceda à inventariação de todos os edifícios públicos que contenham amianto na sua construção;
– elabore uma listagem desses edifícios e posteriormente assegure a remoção dos materiais nocivos;
– e que submeta a vigilância epidemiológica activa os trabalhadores e utilizadores frequentes dos edifícios em causa.
Mais tarde, e perante a constatação de que nada fora feito, a Lei 2/2011, de 9 de Fevereiro, veio determinar:
– o levantamento de todos os edifícios, instalações e equipamentos públicos contendo amianto, no prazo de ano;
– a organização e divulgação pública de uma listagem de todos esses edifícios, instalações e equipamentos;
– e a actuação do Governo para assegurar a monitorização e (ou) remover os materiais nocivos.
Mais uma vez a lei não foi cumprida. E a CGTP-IN recorda que, no decurso de 2012, vários ministros do actual Governo PSD/CDS-PP produziram declarações públicas alegando não haver meios para proceder a este levantamento ou que o levantamento seria feito, mas não era prioritário.
Perigo em quantas escolas?
No dia 13, quando uma delegação da Fenprof exigiu a urgente marcação de uma reunião com o ministro da Educação e Ciência, foi entregue um pedido formal, para que Nuno Crato forneça a listagem das escolas que contêm amianto nos seus edifícios. O prazo de um ano para tal, estabelecido na Lei 2/2011, expirou há dois anos, e tem vindo a ser divulgado que o amianto esteja em mais de 700 escolas, tuteladas pelo MEC, e num número igualmente elevado de estabelecimentos sob a tutela dos governos regionais e das autarquias locais, refere a federação.
Eram 739 em 2007
Num documento divulgado na semana anterior, a Fenprof lembrou que, em 2007, o MEC identificou 739 escolas em que o amianto estava presente, realçando que, só dois anos depois da proibição pela UE, é que em Portugal se ficou a saber que havia amianto em 60,5 por cento das 1222 escolas dependentes da Administração Central. Destas, 165 foram entretanto requalificadas pela Parque Escolar, mas na grande maioria das restantes nada foi feito.
Passaram mais quatro anos, até ser publicada a Lei 2/2011, que impõe a remoção do amianto. Só que, decorridos mais três anos, o Governo ainda não divulgou a listagem completa nem deu cumprimento ao artigo 7.º dessa lei, que manda «prestar informação a todos os utilizadores desse edifício da existência de amianto e da previsão do prazo de remoção desse material».
Foi dada a conhecer uma lista de 52 escolas que, em 1 de Março de 2013, constavam do programa do MEC para remoção de placas contendo amianto. Em muitas dessas escolas a remoção não foi feita.
A Fenprof começa por «visitar» as cinco escolas do Algarve incluídas nessa lista.
A EB2/3 Garcia Domingues (Silves) mantém o amianto. Só em Dezembro de 2013 a escola foi contactada para lançar o concurso, mas a obra teria de estar concluída... até final de 2013. Não houve quem o assegurasse. A D. Afonso III (Faro) mantém o amianto. O montante disponibilizado tornou impossível encontrar quem realizasse a obra. A EB 2/3 de Monchique mantém o amianto e continua a aguardar autorização para poder lançar a obra de remoção. A Secundária Manuel Teixeira Gomes (Portimão) mantém o amianto. Foi contactada, em 2013, para obter orçamentos. Na Secundária Laura Ayres (Quarteira) foi retirado o amianto do corredor central, mas permanece nos pavilhões onde decorrem as aulas.
Na EB 2.3 de Castro Daire, no distrito de Viseu, o montante disponibilizado para a obra (50 700 euros, incluindo IVA) terá ficado cerca de 33 mil euros aquém do necessário e não houve qualquer empresa candidata à remoção.
Na Covilhã, na EB 2.3 Pêro da Covilhã, o amianto foi mantido na cobertura dos blocos onde há salas de aula, alegando a existência de corticite nos tectos.
No distrito de Portalegre, o problema mantém-se na EBS de Nisa, registada na lista das 52 escolas, e ocorre igualmente em estabelecimentos de ensino que não constam desse grupo, como a EB 2.3 Santa Luzia, em Elvas, a escola de Sousel, a EB 2.3 de Monforte, a EB 2.3 de Arronches ou a EB 1 da Cooperativa, em Campo Maior.
No concelho da Mealhada, a EB 2 da Pampilhosa do Botão mantém o amianto e na EB 2.3 da Mealhada apenas foi parcialmente removido.
No distrito de Coimbra, sem constarem da lista das 52 escolas, a Fenprof refere:
– na EB 2.3 Eugénio de Castro (Coimbra) apenas foram removidas as coberturas dos passadiços, mas não dos blocos A, B, C, D e E;
– na EB 2.3 e na Escola Secundária de Mira mantêm-se as coberturas de amianto;
– na EB 2.3 João de Barros (Figueira da Foz), e na EB 2.3 e na Escola Secundária de Cantanhede foram retiradas as coberturas dos passadiços, mas não dos blocos;
– a EB 2.3 das Alhadas (Figueira da Foz) mantém as coberturas de amianto.
Na EB 2.3 de Oliveira do Hospital, que consta na lista das 52, mantém-se parcialmente o amianto.
No distrito de Santarém, várias escolas não constam de qualquer lista divulgada pelo Governo, têm amianto e não há prazo para a sua remoção. A Fenprof indica alguns exemplos:
– a EB 2.3 de Marinhas do Sal e a EB 2.3 Fernando Casimiro, ambas em Rio Maior;
– no Cartaxo, a EB1 José Tagarro e a Escola Secundária;
– em Tomar, a EB 2.3 Gualdim Pais e a Escola Secundária do Olival;
– em Torres Novas, algumas salas da Escola Secundária Maria Lamas e da EB 2.3 Manuel de Figueiredo;
– em Alcanena, com excepção do pavilhão desportivo;
– em Abrantes, na EB 2.3/S Dr. Manuel Fernandes, e no Tramagal, na EB 2.3 Duarte Ferreira (coberturas);
– escolas em Almeirim e Alpiarça.
No concelho de Almada as duas escolas (Trafaria e Cova da Piedade) que constam da lista das 52, continuam a aguardar a remoção, que esteve prevista para Julho de 2013.
Em Setúbal, mantém-se o amianto na EB n.º 1 de Santo André. Esta escola, como tantas outras (mais de meio milhar, segundo a Fenprof), não consta das 52 sinalizadas pelo MEC, nem está entre as 165 requalificadas.
Mas a federação afirma que há mais escolas, como a Secundária de Valongo, onde o amianto está presente, embora não figurem em qualquer listagem conhecida.
É preciso contar ainda com as escolas que não são tuteladas pelo MEC, como é o caso de inúmeras escolas do 1.º Ciclo, sobretudo as construídas ou requalificadas nos anos 1980-90. Maia ou Marinha Grande são dois exemplos, afirmando a Fenprof que, só neste dois concelhos, têm amianto mais de 130 estabelecimentos.
Na RA Madeira o caso mais gritante é o da Escola Básica e Secundária de Porto Santo, que se encontra muito degradada e onde o amianto é em grande quantidade. Também pelo menos três escolas do 1.º Ciclo do concelho do Funchal têm amianto nos edifícios.