Um slogan para a privatização
Uma empresa do sector dos têxteis, por empregar mais trabalhadores, contribui com cerca de 15 % da riqueza líquida que cria, enquanto a EDP contribui com menos de 5%
No entanto, o objetivo de toda esta campanha de manipulação da opinião pública em que participam membros do Governo, porta-vozes dos grupos seguradores e das sociedades gestoras de fundos de pensões, assim como os seus defensores nos media (os conhecidos «comentadores» com acesso fácil aos media que revelam, para além de tudo, muita ignorância e muita falta de estudo sobre o que falam) é justificar o ataque brutal aos reformados, às suas pensões e direitos, e preparar a opinião pública para aceitar passivamente a privatização da Segurança Social, cujo estudo o ministro Mota Soares já encomendou a um «grupo de peritos».
E como nessa campanha o «slogan» mais utilizado é «o sistema não é sustentável», embora os que o utilizam nunca provem o que afirmam, esperando que, de tão repetido, acabe por passar como verdadeiro, vamos analisar com objetividade este argumento, ou seja, que «o sistema de Segurança Social não é sustentável», utilizando dados oficiais recentes.
OE não financia a Segurança Social
dos trabalhadores por conta de outrem
Com o objetivo de confundir e enganar a opinião pública, nos ataques que fazem ocultam que no sistema de Segurança Social existem dois regimes. E depois afirmam ou insinuam que a Segurança Social só se tem aguentado devido às transferências significativas do Orçamento do Estado. Isso é uma mentira pura visando enganar opinião pública, como vamos provar.
Para se poder analisar com rigor esta questão é importante, portanto, ter presente que existem na Segurança Social dois regimes com sistemas de financiamento completamente distintos. Um, denominado regime contributivo dos trabalhadores por conta de outrem e, o outro, designado por regime não contributivo que abrange nomeadamente os beneficiários da pensão social, do complemento solidário para idosos, da ação social, etc.. O regime contributivo é financiado exclusivamente pelas contribuições das empresas e dos trabalhadores, enquanto o regime não contributivo, por abranger pessoas que não descontaram para a Segurança Social – mas que não possuem meios mínimos de sobrevivência sendo, por essa razão, obrigação de toda a sociedade providenciar esses meios –, tem de ser financiado através de impostos dando origem a transferências do Orçamento do Estado.
O Quadro 1, construído com dados dos Relatórios dos Orçamentos do Estado de 2008-2014, mostra as transferências do OE no período 2008/2014 para financiar o regime não contributivo assim como outras despesas que nada têm a ver com o regime contributivo dos trabalhadores por conta de outrem.
As transferências do OE para a Segurança Social determinadas pela Lei de Bases da Segurança Social (coluna 2) destinam-se ao financiamento do sistema não contributivo, e como se conclui pelos dados do Quadro 1, sofreram um corte muito grande a partir de 2012 (coluna 2). E isto apesar do agravamento da crise social e da pobreza em Portugal, corte esse que foi compensado pelas transferências extraordinárias (coluna 3).
A partir de 2012, a Segurança Social teve de pagar as pensões aos bancários – mais de 500
milhões de euros por ano (coluna 7) – já que os ativos dos fundos de pensões foram transferidos para o Estado, e não para a Segurança Social, para reduzir o défice e pagar dívidas tendo, por isso, essa despesa de ser suportada pelo Orçamento do Estado através de transferências (coluna 7). Os aumentos verificados nas outras rubricas, que constam das restantes colunas, de acordo com os dados oficiais da Segurança Social, não registaram, entre 2008-2014, uma subida significativa (o aumento variou entre 3,4% e 5,1% em seis anos). Portanto, os dados oficiais da Segurança Social mostram que não houve transferências para o regime contributivo e que também não existe uma ameaça de explosão (implosão) do sistema de Segurança Social como muitas vezes se pretende fazer crer a opinião pública.
Razões das dificuldades de que não se fala
No entanto, isto não significa que a Segurança Social e, nomeadamente, o regime contributivo dos trabalhadores por conta de outrem não esteja a enfrentar dificuldades. E a explicação para essas dificuldades são nomeadamente as que a seguir se apresentam.
O regime contributivo, que não é financiado pelo Orçamento do Estado mas sim pelas contribuições de empresas e dos trabalhadores, tem sofrido um forte impacto negativo dos efeitos da crise financeira assim como da recessão económica continuada. Entre 2005 e 2007, ou seja, nos dois anos anteriores à crise, as receitas de contribuições dos trabalhadores e das empresas para a Segurança Social aumentaram de 10 887,4 milhões de euros para 12 288,1 milhões de euros, ou seja, subiram em 12,86% (+1400,7 milhões de euros apenas em dois anos), enquanto entre 2008 e 2014, ou seja, em seis anos de crise e recessão, as receitas de contribuições passaram de 13 016,4 milhões de euros para 13 281,2 milhões de euros, isto é tiveram um crescimento de apenas 2% (+264,8 milhões de euros em seis anos), ou seja, quase seis vezes menos do que nos dois anos anteriores à crise (e entre 2013 e 2014, segundo o Relatório do OE-2014, diminuirá de 13 337,5 milhões de euros para 13 281,1 milhões de euros).
Por outro lado, entre 2008 e 2014, apesar dos cortes significativos nos direitos dos desempregados ao subsídio de desemprego (mais de 2/3 dos desempregados não recebem subsídio de desemprego), a despesa com este subsídio passou de 1779 milhões de euros para 2845,5 milhões de euros, ou seja, aumentou em 60% no período de crise. O facto do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que é alimentado principalmente com excedentes do regime contributivo, ter acumulado no período anterior à crise 11 600 milhões de euros, o correspondente a 12,8 meses de despesas com pensões, também prova que o sistema de Segurança Social e, nomeadamente, o regime contributivo não é insustentável como pretendem fazer crer os seus inimigos. Portanto, são os próprios dados oficiais que mostram que é a crise económica e financeira associada a uma política de austeridade fortemente recessiva que tem agravado as desigualdades e a miséria, a qual empurrou ainda mais o País para a recessão económica (e quando dela sair para a estagnação ou para um crescimento económico anémico), que está a pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social e de todas as funções sociais do Estado e, também, do próprio Estado. Mas disto nem o Governo, nem Poiares Maduro, nem os seus defensores na comunicação social, nem os comentadores habituais dos media, falam.
Prestações sociais em Portugal
abaixo da média europeia
No ataque à Segurança Social é utilizado também o argumento de que o peso das pensões em Portugal, medido em percentagem do PIB, é superior à média dos países da UE. No entanto, por ignorância ou com o intuito de enganar a opinião pública, os que utilizam esse argumento «esquecem-se» de referir que o «peso» de todas as prestações sociais, que inclui as pensões, é inferior à média europeia, e é este que interessa analisar pois o que se paga a mais com pensões paga-se a menos de outras prestações. Os dados do Eurostat revelam que a despesa com as prestações sociais (não apenas pensões) em Portugal continua a ser inferior à média dos países da UE quer em valor quer em percentagem do PIB. Assim, em 2011 (são os últimos dados disponíveis, no entanto após essa data verificaram-se cortes significativos nas prestações sociais em Portugal); repetindo, em 2011, a despesa com prestações sociais em Portugal correspondia a 26,5% do PIB quando a média na UE-28 era de 29% do PIB; e em euros por habitante, era na UE-28 de 6666 euros e, em Portugal, apenas de 3890 euros por habitante, ou seja, correspondia a 58% da média dos países da União Europeia. Mas disto, Poiares Maduro, os comentadores habituais assim como os defensores do Governo e grupos económicos, com acesso aos media não falam, certamente porque não interessa aos seus objetivos.
Envelhecimento da população
não põe em causa a sustentabilidade
Outro argumento muito utilizado nos ataques à Segurança Social é que o envelhecimento da população e, consequentemente, a redução do número de ativos por pensionista determinaria que o sistema não fosse sustentável. Em primeiro lugar, apesar do rápido envelhecimento da população, Portugal é o país da UE onde o aumento da despesa com pensões até 2060 crescerá menos segundo o «The 2012 Ageing Report» da Comissão Europeia. O gráfico 2.2, copiado do «Report», mostra isso.
Como revela o gráfico Portugal (que está indicado com a seta) é um dos países da UE onde a despesa com pensões, medida em percentagem do PIB, crescerá menos entre 2010 e 2060.
Efetivamente, a previsão é de um crescimento de apenas de 0,2% em 50 anos, já que passa de 12,5% do PIB para 12,7% do PIB segundo a Comissão Europeia, o que evidentemente não põe em perigo a sustentabilidade da Segurança Social. E isto apesar do envelhecimento da população e admitindo que as pensões não sofrem novos cortes.
No entanto, não são apenas os estudos da Comissão Europeia que mostram que o envelhecimento da população não determina que o atual sistema de Segurança Social não seja sustentável em Portugal. Estudos realizados pela ONU e pelo INE provam que ele é sustentável. Pedro Nogueira Ramos, ex-diretor das Contas Nacionais do INE, no seu livro «Torturem os Números que eles confessam – Sobre o mau uso da Estatísticas em Portugal, e não só», citando esses estudos afirma que é suficiente um pequeno aumento da produtividade para compensar o envelhecimento da população. O Quadro 2, retirado do livro, mostra isso.
Segundo Pedro Ramos, de acordo com estudos realizados pelo INE e pela ONU, é suficiente um crescimento da produtividade entre 0,23% e 0,49% por ano em Portugal «para anular o efeito da regressão demográfica, ou seja da diminuição do peso da população em idade de trabalhar até 2060» (pág. 154). E como refere também Pedro Nogueira Ramos «em Portugal, no período 2002-2011 – ou seja, nos anos terríveis de estagnação e crise económica que nos afligiram – a produtividade do trabalho cresceu ainda assim a uma taxa anual de 1%» (pág.155). Mas nem o ministro Poiares Maduro, nem os defensores dos fundos de pensões privados, nem os comentadores com acesso fácil aos media falam disto. Porquê?
É possível reforçar mais
sustentabilidade da Segurança Social
Uma das medidas mais importantes, a nosso ver, seria alterar o sistema de financiamento da Segurança Social substituindo gradualmente o sistema de contribuições para a Segurança Social das empresas, que atualmente tem como base as remunerações, passando a ter como base a totalidade da riqueza líquida criada por cada empresa (o VAL). Isto teria a vantagem de alargar a base de contribuição (em cerca de mais 40%) não ficando dependente das remunerações pagas, que em percentagem do PIB tendem a diminuir com o agravamento das desigualdades na distribuição do rendimento e com o aumento do desemprego (deixariam de ser premiadas as empresas que despedem, como acontece atualmente), o que permitiria reduzir a taxa de contribuição das empresas para a Segurança Social (seria suficiente uma taxa contributiva pouco superior a metade da atual), e eliminar-se-ia, desta forma, a concorrência desleal entre as empresas (atualmente, uma empresa do sector dos têxteis, por empregar mais trabalhadores, contribui com cerca de 15% da riqueza líquida que cria, enquanto a EDP contribui com menos de 5%). A necessidade de alterar o sistema de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social, alargando para toda a riqueza líquida criada pelas empresas, e não apenas com base nas remunerações, tem uma justificação que não é apenas técnica mas assenta também em princípios de segurança, justiça e igualdade, e já é compreendida por sectores cada vez mais amplos da sociedade portuguesa. Em 2013, António José Seguro numa intervenção pública para apresentar as propostas que o PS implementaria quando fosse governo referiu precisamente a uma medida desta natureza. Esperemos que se chegar ao governo não se esqueça dela, como muitas vezes tem sucedido no passado com as promessas do PS. E isso poderá acontecer pois Vieira da Silva, deputado do PS e ex-ministro, já veio publicamente contrariar o secretário-geral do PS pois, em entrevista dada a um jornal diário, veio dizer que não concordava com tal medida.
Mas as medidas que, implementadas, reforçariam a sustentabilidade financeira da Segurança Social não se limitam apenas à anterior. A recuperação das dívidas à Segurança Social, muitas delas referentes a descontos feitos nos salários dos trabalhadores que não são entregues, já atingiam, em 2012, os 9498 milhões de euros segundo o Balanço de 2012 da Segurança Social (o recuperado em 2013, com o perdão concedido pelo Governo, representou apenas uma pequena gota), assim como um combate eficaz à evasão e fraude contributiva, que faz perder todos os anos mais de 3000 milhões de euros de receitas à Segurança Social, seriam também medidas que reforçariam a sustentabilidade da Segurança Social. No entanto, a «mãe de todas as medidas» é, sem dúvida, um crescimento económico sustentado e não anémico.
Mas com a política de austeridade a continuar e, com o chamado Pacto Orçamental, é impossível ter um tal tipo de crescimento. Mas disto tudo, nem Poiares Maduro, nem os comentadores com acesso fácil aos media falam. Por que será? Deixamos a resposta aos leitores.
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