2013, um mau ano para as mulheres estado-unidenses

António Santos

Segundo dados do Instituto Guttmacher, os EUA bateram em 2013 o recorde histórico de vendeta contra direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Só no ano passado, foram aprovadas mais de 70 leis em 22 estados que limitam o direito à interrupção voluntária da gravidez. Estas leis incluem reduções do número de semanas legais, limitações da cobertura das seguradoras e restrições à actividade dos médicos.

Em 2013, um total de 24 estados baniu a IVG do novo Obamacare. Nove deles foram mais longe e proibiram todas as seguradoras privadas de cobrir este direito. Também de acordo com o Centro de Direito para o Género e Sexualidade, nos últimos três anos foram aprovadas mais leis de criminalização da IVG que na última década inteira. Num momento em que a pobreza nos EUA alcança os patamares mais altos de trinta anos, com quase 20% da população abaixo do limiar da pobreza, a legislação contra as mulheres reveste-se de um carácter de classe relevante: ao mesmo tempo que florescem as empresas especializadas em levar algumas mulheres a outros países e estados para abortar, cresce exponencialmente o aborto clandestino. Nos EUA, 75% dos lares pobres têm uma mulher como principal fonte de rendimento e mais de 60% dos 50 milhões de estado-unidenses pobres são mulheres.

Para 2014, a direita mais conservadora dos EUA, conduzida pelo Tea Party, tem novos e tenebrosos planos na calha: no Colorado, Ohio, Tennessee e Dakota do Norte, pretendem emendar as constituições estaduais para reconhecer o estatuto de «pessoa humana» a óvulos fertilizados; na Carolina do Sul, a intenção é banir as clínicas com médicos que não trabalhem simultaneamente num hospital, medida já aplicada no Texas, onde um terço das clínicas de saúde sexual foram encerradas; na Virgínia Ocidental e na Geórgia a estratégia eleita consiste na perseguição «técnica» das clínicas de saúde sexual, com inspecções e investigações diárias.

 

2014, novo ano

e novas estratégias

 

Os retrocessos dos últimos anos têm servido, no entanto, para que o movimento de direitos das mulheres reavalie a sua própria estratégia e discuta as suas vulnerabilidades. Obama, que foi eleito num programa altamente progressista em termos de saúde sexual e reprodutiva, presidiu à maior erosão destes direitos em trinta anos e manteve-se silencioso quando os estados mais reaccionários quebravam novas fronteiras de fanatismo anti-mulher. E apesar de avanços pontuais, como a cobertura de meios contraceptivos no chamado Obamacare, Obama desiludiu as mulheres que lhe entregaram o seu voto. Imediatamente após a aprovação do Obamacare, garantiu à ultra-direita que nem um cêntimo de fundos federais seria usado para garantir às norte-americanas o direito a decidir sobre o seu próprio corpo. Mais tarde, em 2011 e por sua própria iniciativa, Obama criou uma lei que dificultava às raparigas com menos de 18 anos o acesso à pílula do dia seguinte. O movimento de mulheres estado-unidense ficou num impasse: havia apostado tudo no mesmo Obama e no mesmo Partido Democrata que agora ofereciam a capitulação à direita religiosa. Obama acabou por ceder e o acesso à pílula do dia seguinte não foi coartado. Mas, curiosamente, não foi o tradicional movimento de mulheres que demoveu Obama e a maquinaria milionária de lobbying junto do Partido Democrata provou-se inútil. Foram as ruas que forçaram Obama a recuar: manifestações de massas em todas as grandes cidades dos EUA sacudiram a ordem política e mostraram, para além de qualquer dúvida, a força das mulheres estado-unidenses.



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