Semente que floriu em Abril
No ano em que se comemoram os 40 anos da Revolução de Abril assinalam-se igualmente os 80 anos do levantamento insurreccional de 18 de Janeiro, momento alto da resistência ao fascismo e da luta pela liberdade.
Abril será comemorado pelo povo de forma combativa
«Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do movimento operário português. Melhor se pode dizer escrito com lágrimas e com sangue. Porque a luta dos trabalhadores da Marinha Grande ao longo de 50 anos de fascismo foi paga com pesadas perdas, com perseguições, torturas, prisões, com o assassínio e deportação de muitos dos seus melhores filhos, com séculos passados nas masmorras fascistas por muitos anos, com privações e sacrifícios silenciosos e anónimos das famílias dos militantes, educados na mesma escola de elevada consciência de classe e incansável combatividade.» Estas palavras de Álvaro Cunhal, proferidas em 1975, na cerimónia de trasladação dos restos mortais do histórico dirigente comunista José Gregório da Checoslováquia, onde morreu, para a sua terra natal, foram lembradas no passado domingo por Jerónimo de Sousa, no comício evocativo do levantamento revolucionário de 18 de Janeiro de 1934.
O Secretário-geral do PCP recordou, então, que os protagonistas dessa gesta heróica – entre os quais se encontrava o próprio José Gregório – sofreram no seu conjunto mais de 250 anos de prisão e deportação, tendo alguns deles sido mesmo «condenados à morte pelo fascismo pelas condições que lhes foram impostas nos campos prisionais do Tarrafal e Angra do Heroísmo». Os revolucionários de Janeiro de 1934 não venceram naquele momento, nem podiam ter vencido, «tão grande era a desproporção de forças em presença». Mas, valorizou Jerónimo de Sousa, tal facto não põe em causa o que este levantamento teve de heróico nem tão pouco as sementes de futuro que deixou e que haveriam de «germinar e conduzir à derrota do fascismo e à conquista da liberdade e da democracia pelo nosso povo».
Para o dirigente do PCP, foi com o contributo e o exemplo dos revolucionários de Janeiro de 1934 que as gerações seguintes obrigaram o grande capital e os seus representantes no poder político a ceder direitos laborais essenciais e um vasto conjunto de conquistas políticas, económicas, sociais e culturais. Trata-se, acrescentou, de uma «geração de homens e mulheres de grande têmpera» que quanto mais se conhece mais admiração desperta.
Comemorar e efectivar Abril
O comício comemorativo do 18 de Janeiro na Marinha Grande, e a exposição inaugurada no mesmo dia (ver caixa), inseriram-se nas comemorações dos 40 anos da Revolução de Abril, que este ano se assinalam. Como afirmou Jerónimo de Sousa, a revolução portuguesa transporta, na sua realização, «muitos dos objectivos por que lutavam os combatentes do 18 de Janeiro – os operários, os trabalhadores, o povo da Marinha Grande».
Este ano, lembrou ainda o Secretário-geral do PCP, Abril será comemorado pelos trabalhadores e o povo português «de forma combativa, afirmando a grande importância das suas conquistas e dos seus valores». Num momento em que o País atravessa uma situação em que é patente um «total confronto com Abril e com o que Abril significou de transformação progressista da sociedade portuguesa», estas comemorações fazem ainda mais sentido e revestem-se de uma crescente actualidade.
O dirigente comunista realçou que «foi longa, difícil e muitas vezes dramática a luta dos trabalhadores e do nosso povo para conquistar a liberdade e para que a Revolução do 25 Abril se traduzisse em reais direitos políticos, sociais, económicos e culturais e melhores condições de vida para o povo». Da mesma forma que é difícil a luta de hoje contra a política de direita que «condena o nosso povo ao empobrecimento». Para Jerónimo de Sousa, não se pode omitir quão duro era o «combate que a geração dos revolucionários do 18 de Janeiro estavam a travar e quantos perigos enfrentavam, para realçar quanto importante foi o seu exemplo de coragem e a importância da sua luta».
Exposição do PCP valoriza revolta e os seus protagonistas
Uma jornada heróica
O 18 de Janeiro foi a resposta da classe operária à entrada em vigor do Estatuto do Trabalho Nacional que, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini, decretava a ilegalização dos sindicatos livres. As organizações sindicais convocam para esse dia uma greve de características insurreccionais. Tiveram lugar importantes paralisações, manifestações e acções de sabotagem em localidades como Silves, Barreiro, Coimbra, Lisboa e Setúbal.
Mas foi na Marinha Grande que o movimento assumiu maiores proporções. Encabeçados pela organização local do PCP, na qual participavam militantes como José Gregório ou António Guerra, os trabalhadores ocuparam a vila durante várias horas, instituindo aí o seu «soviete». O levantamento seria derrotado pela brutal repressão que se abateu sobre os grevistas: a vila foi ocupada; dezenas de operários foram presos e espancados; e o dirigente sindical e militante comunista Manuel Vieira Tomé morreu às mãos da polícia política.
Numa exposição promovida pelo PCP e inaugurada no domingo, antes do comício, são salientadas as razões pelas quais foi na Marinha Grande, e só aí, que o 18 de Janeiro assumiu a pretendida expressão insurreccional: «A «existência de uma importante concentração industrial, com uma classe operária temperada por importantes lutas e dispondo de uma combativa organização de classe, o Sindicato dos Trabalhadores Vidreiros; o carácter unitário da luta e a existência de uma organização local do PCP e de um comité do Partido coeso, que assumiu, desde o início, a direcção da luta.»
A instauração do «soviete» teve atrás de si «anos de exaltante combate em defesa das condições de vida e de trabalho» na vila vidreira: greves dos aprendizes, greves pela unificação das tabelas salariais, por aumentos de salários, pelo fim do trabalho ao domingo, contra o desconto de dois por cento para o fundo de desemprego ou as paralisações simultâneas nas empresas de garrafaria em 1931 e 1932; são dos anos anteriores ao da tentativa insurreccional as marchas da fome e a greve de nove meses na Guilherme Pereira Roldão.
Este período ficou também marcado pela unificação das associações sindicais de classe numa única organização – o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria do Vidro, constituído em 1931. Também o PCP se afirmou na Marinha Grande, na sequência da reorganização de 1929, chegando a 1934 com um valioso conjunto de experimentados quadros revolucionários, entre os quais se destacam alguns dos mais destacados protagonistas do 18 de Janeiro: Manuel Esteves Carvalho (Manecas), António Guerra, Augusto Costa, José Gregório e Manuel Baridó, entre outros, cujas biografias são salientadas na mostra.
Num dos painéis, salienta-se que «os revolucionários do 18 de Janeiro foram derrotados num combate em que a heroicidade não bastava para vencer a enorme desigualdade de forças, mas, como muitas vezes aconteceu na história, foi do amargo da derrota que o movimento operário revolucionário extraiu as lições para melhorar a sua organização e elevar a sua capacidade de luta».
Na inauguração da exposição interveio o membro da Comissão Política Ângelo Alves.
Sindicato assinala efeméride
Para além do PCP, também o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STIV/CGTP-IN) está a assinalar os 80 anos do levantamento da Marinha Grande. O programa, vasto e diversificado, iniciou-se no dia 11 com uma noite de fados na colectividade da Amieirinha e termina em festa na tarde do próximo sábado, 25, na ASURPI.
As comemorações tiveram um ponto alto no próprio dia 18, com a romagem aos cemitérios de Casal Galego e da Marinha Grande, onde foram colocadas flores nas campas daqueles que protagonizaram a revolta heróica. No cemitério da Marinha Grande foi proferida uma intervenção por parte de um dirigente sindical. Mais tarde, junto à estátua do vidreiro, houve um momento musical evocativo e diversas intervenções. Da parte da tarde, na Casa do Vidreiro, foi descerrada a placa evocativa dos 80 anos do 18 de Janeiro.
Das comemorações constaram ainda momentos de desporto, convívio e música e um encontro nacional de activistas do sindicato. Hoje às 21 horas, no Sport Operário, o Jornal da Marinha Grande promove uma conferência sobre o significado do levantamento operário de Janeiro de 1934 oito décadas depois.