Luta com exigências redobradas
O Governo quer perpetuar tudo o que anunciou como temporário, do esbulho às pensões e salários aos cortes em direitos fundamentais como a saúde, educação e segurança social.
Cresce o número de milionários e suas fortunas enquanto alastra a pobreza e a miséria
Levar o mais longe possível a «destruição de direitos e a mutilação da democracia», eis, em suma, o objectivo no qual se fixou o Executivo neste início de 2014, acelerando para o efeito «ao máximo o ritmo das medidas do programa político de exploração e saque aos trabalhadores e ao povo».
Foi para os perigos de tal situação para a democracia portuguesa que o líder parlamentar do PCP chamou a atenção no Parlamento, sublinhando as exigências acrescidas que por essa razão estão colocadas «à luta contra o Governo e a sua política».
Na declaração política que proferiu na passada semana em nome da sua bancada João Oliveira considerou que o Executivo de Passos e Portas pretende a todo o gás, antes da saída da troika, «tornar definitivos os cortes salariais, o saque das pensões, a facilitação dos despedimentos e a precarização das relações laborais», procurando simultaneamente tornar «irreparáveis as medidas de desmantelamento do SNS, da Escola Pública, da Segurança Social, de privatização de empresas públicas».
Criar ilusões
Para o presidente da formação comunista é ainda claro que o Governo, ao mesmo tempo que leva a cabo este «programa de concentração da riqueza, empobrecimento do povo e exploração dos trabalhadores», está apostado em camuflar os verdadeiros responsáveis por estas políticas e os interesses que as mesmas servem.
E exemplificou com o facto de não se ter ouvido «uma palavra do Governo ou dos deputados do PSD e do CDS-PP sobre o aumento do número de milionários e das suas fortunas ao mesmo tempo que entre o povo alastra a pobreza, a miséria e a emigração».
É assim que também é difundida pela máquina de propaganda governamental a patranha de que o final do pacto e a saída da troika corresponderia ao «momento em que se iriam embora todos os nossos problemas, nos libertaríamos do protectorado para recuperar a nossa soberania».
«Tentam vender a ilusão de que tudo aquilo que foi imposto aos trabalhadores e ao povo nos últimos três anos foi obra exclusiva da troika estrangeira e que a partir da sua saída, lá para meados do ano, tudo será diferente», desmascarou João Oliveira, salientando que PS, PSD e CDS-PP falam das medidas e das imposições da troika como se as suas assinaturas no memorando «não fossem a sua própria aceitação da ocupação estrangeira». Mais, prosseguiu, «como se não tivesse havido um Governo PSD/CDS-PP de Passos e Portas a executar fielmente todas as medidas desse pacto contra o povo e o País, sem oposição do PS, como se não tivesse mesmo assumido querer ir mais longe que a troika no roubo de direitos e de futuro a quem trabalha».
Sem comentário do líder parlamentar comunista não passou, por outro lado, a divulgação nesse mesmo dia (8) de dados estatísticos do Eurostat baseados em informação fornecida pelo Governo e que apontam para uma ligeira redução estatística do desemprego.
«Vangloriam-se desta redução estatística ignorando a destruição de postos de trabalho em Portugal e o facto de estarmos muito acima da média da União Europeia e da Zona Euro nos níveis de desemprego global e desemprego jovem», verberou o deputado do PCP, antes de acusar PSD e CDS-PP de desconsiderarem o efeito da emigração dos desempregados e da desistência de inscrição nos centros de emprego.
Condenar à morte
Ministro deve explicações
Anunciado por João Oliveira e entregue nesse mesmo dia foi o pedido do PCP- entretanto aprovado ontem na comissão com a abstenção do PSD e do CDS - para a presença na comissão parlamentar de Saúde do ministro da tutela para prestar esclarecimentos sobre a acessibilidade aos cuidados de saúde.
Na base desta iniciativa está a convicção de que as políticas do Governo estão a «conduzir muitos portugueses à morte antecipada». Assim mesmo, sem meias palavras, a definiu o deputado comunista, reiterando uma denúncia do PCP quanto às consequências na saúde dos portugueses da política de cortes deste Governo no SNS.
E por si destacado foi o caso tornado público na passada semana de uma utente do SNS a quem foi diagnosticado um «cancro inoperável depois de ter estado dois anos à espera de uma colonoscopia por falta de recursos da unidade hospitalar que a devia realizar».
Um testemunho chocante a ilustrar uma política que no entender da bancada comunista «não é cega», bem pelo contrário, tem um conteúdo de classe bem definido, na medida em que «nega o direito à saúde aos trabalhadores e ao povo, transformando-o num bem ao alcance apenas de quem o possa pagar».
E por isso as deputadas comunistas Paula Santos e Carla Cruz, no texto onde requerem a presença de Paulo Macedo, afirmam de nada valer o lamento do Ministério da Saúde pelo sucedido com aquela doente que descobriu ter um cancro em estado avançado. É que a responsabilidade por a doente não ter realizado a colonoscopia, acusam, é do Ministério da Saúde que «impõe limitações na prescrição de medicamentos, exames e tratamentos».
Esteio da democracia
O confronto reiterado do Governo com a Constituição não é fruto do acaso, de desleixo ou displicência. Para João Oliveira o confronto é propositado e obedece a duas ordens de razão. A primeira, explicou, é «porque o Governo tem um programa político para cumprir, contrário à Constituição e à democracia, e para o cumprir não pode cumprir a Constituição». A segunda, adiantou, tem a ver com a circunstância de o Governo estar a «procurar fazer o caminho para subverter a Constituição, desfigurá-la, criando a ideia pública de que é um entrave ao desenvolvimento do País».
Ora o que os factos confirmam, na opinião do líder parlamentar do PCP, é que a Constituição é o «elemento de defesa do progresso do País, porque é o elemento que se opõe à política de retrocesso do Governo».
Assim a avaliou João Oliveira, para quem este é apenas mais um caso elucidativo de como o Governo age «à margem e contra a Constituição e a democracia», apostado em «prosseguir a sua obra destruidora».
A insistência em levar por diante a prova de humilhação imposta pelo ministro Nuno Crato aos professores é no entender do líder parlamentar do PCP outro testemunho dessa ferocidade anti-social e anti-laboral do Executivo, que tem expressão ainda nas novas medidas em preparação de corte salarial na administração pública (tabela remuneratória única e corte de suplementos salariais), isto depois dos roubos nos salários materializados no OE para 2014.
A isto soma-se a intenção do Governo de rever de novo para pior a legislação laboral, visando facilitar o despedimento dos trabalhadores com mais antiguidade, substituindo-os, como observou o deputado comunista, por «trabalhadores mais novos e qualificados pagos com salários da década de 40 do século passado».
João Oliveira, que respondia ao deputado do PS José Junqueiro, concluiu por isso que o OE rectificativo para 2014 (com debate na AR agendado para dia 22) só o é entre aspas, uma vez que o Governo não rectifica nada antes insiste em penalizar os reformados e pensionistas adoptando uma outra via com a qual «contorna a decisão do TC».
«Para que fosse rectificativo tinha de alterar as opções de fundo que penalizam quem trabalha e quem trabalhou uma vida, que hipotecam o futuro dos jovens e do País para defender os interesses do capital – e não é isso que fez o Governo», concluiu.
Para o líder parlamentar do PCP o problema para o País não está, pois, como foi colocado pelo deputado do PS, no «adiamento do OE e das medidas» nele constantes.
«A questão política e decisiva para o futuro do País é a da ruptura com estas políticas e a construção de uma alternativa», sustentou João Oliveira, lamentando que sobre tal questão José Junqueiro não tenha dito uma palavra.