Regressão social
Alguns dos dados constantes neste artigo dizem respeito a 2012 e outros, designadamente os de natureza salarial, a 2011. Tratam-se de dados oficiais tornados púbicos no último Anuário Estatístico da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Embora com atraso, o que é que eles nos dizem? Confirmam o diagnóstico feito pelos comunistas às consequências quer dos famosos PEC, quer às políticas «acordadas» entre a troika estrangeira e os «Migueis de Vasconcelos» instalados no governo de Portugal.
Confirmam, em termos quantitativos, que o processo de empobrecimento em curso é um processo instrumental da direita que, a pretexto do défice e da dívida, pretende extremar as diferenças sociais vigentes por via de um Estado mínimo para a maioria da população e de um Estado máximo para a influente oligarquia, a quem o governo de Passos Coelho presta contas e vassalagem e de quem recebe, pela traição ao povo português, as proporcionais mordomias.
O processo em curso é, pois, multifacetado e cujos contornos importa conhecer. A este propósito vejamos o exemplo da Península de Setúbal.
Regressão salarial no privado
Comparando o ganho médio mensal entre 2009 e 2011 verifica-se uma regressão salarial muito acentuada no sector primário (agricultura, silvicultura, produção animal e pescas). Os concelhos mais atingidos foram Almada e Seixal no que diz respeito ao salário dos homens; Barreiro e Setúbal no que diz respeito ao salário das mulheres.
Os casos mais graves abrangem os concelhos do Seixal e Barreiro com quebras salariais na ordem dos 27%. A estatística disponível não permite esclarecer a razão dessa enorme redução nos rendimentos do trabalho. Não sabemos se a mesma é devida à substituição de trabalhadores mais idosos por jovens trabalhadores, ou se resulta da política de despedimentos e/ou de encerramento de unidades de produção. O que sabemos é que o Instituto Nacional de Estatística referiu que, em 2009, no concelho do Seixal, a média salarial dos homens então praticada no sector primário correspondia 1029 euros, valor que foi fixado em 753 euros em 2011. No Barreiro, naquele espaço temporal, a média salarial das mulheres passou de 778 euros para 567 euros.
Em Almada e em Setúbal houve também regressões salariais, embora menos pronunciadas.
No que diz respeito ao sector secundário (indústria e construção) há a registar nos concelhos de Sesimbra (homens) e de Alcochete (mulheres) regressões salariais, atingindo neste último concelho uma quebra na ordem dos 7%.
No sector de serviços – aquele que abrange o maior número de trabalhadores –, há também quebras nos rendimentos do trabalho, designadamente em Alcochete, Almada e Barreiro, embora com percentagens inferiores às verificadas nos sectores atrás referidos. Por exemplo, no Barreiro, a média salarial dos homens passou de 1180 euros em 2009, para 1160 euros em 2011. Aparentemente trata-se de uma quebra mensal de 20 euros. Em Almada, também na área do trabalho masculino, o ganho médio mensal passou de 1121 para 1111 euros. Aparentemente trata-se de uma quebra mensal de 10 euros. Mas se a estes valores acrescentarmos a perda de poder de compra, quer pelo efeito da inflação, quer, sobretudo, pelo aumento criminoso do IRS, então não será difícil de concluir que o empobrecimento está muito para além daquilo que é a estatística oficial da redução da média dos salários verificada em cada concelho.
Há quem, a propósito destes números, diga: que o sector primário ultrapassa em muito pouco os 5000 efectivos; que o sector secundário é pouco afectado nas zonas de maior implantação; que o sector terciário, o maior sector da região – cerca de 68% do emprego –, é generalizadamente afectado mas em percentagens modestas.
Mas atenção: estamos a falar de 2011, no início do percurso de uma bola de neve, cuja aceleração em 2012, 2013 e 2014 provocou – e irá provocar –, um retrocesso civilizacional similar ao que foi imposto pelo fascismo, em benefício, como é óbvio, dos banqueiros, dos accionistas das grandes empresas e da fauna que, na comunicação social, fazem o trabalho sujo da desinformação.
Degradação das pensões,
saúde e ensino
Os dados tornados públicos pelo INE (Quadro II.6.1.) reportam-se, apenas, ao sistema público de Segurança Social, ou seja, não inclui a função pública. Nesta estatística reportamo-nos a 2012 e 2011. Nessa comparação verifica-se que o valor médio anual das pensões (invalidez, velhice e sobrevivência) diminuiu em todos os concelhos da Península de Setúbal. A razia foi completa. As maiores quebras no valor médio das pensões dizem respeito ao Barreiro, ao Seixal e a Almada.
No Barreiro, por exemplo, o valor médio das pensões passou de 431 euros em 2011, para 412 euros em 2012. No Seixal passou de 419 para 401 euros. Em Almada passou de 414 para 398 euros.
O Estado, por via da redução do valor médio das pensões na Península de Setúbal, «economizou» cerca de oito milhões e trezentos mil euros em 2012, valor que serviu para compensar os agiotas que enriquecem à custa dos juros impostos à dívida pública do País.
Na saúde e no ensino a regressão social também se fez – e faz –, sentir.
O acesso aos actos médicos nos centros de saúde na Península de Setúbal diminuíram em 118 914 consultas em 2012, comparativamente ao ano anterior, com especial destaque para a medicina geral e familiar. Em termos percentuais a maior quebra, cerca de 10,5%, corresponde ao concelho da Moita. Mas a maior quebra em termos absolutos refere-se ao concelho de Almada, com menos 41 885 consultas. Os dados disponíveis permitem concluir que as especialidades mais afectadas dizem respeito às pessoas mais idosas. Quanto à população recém-nascida e jovens, os dados evidenciam que no planeamento familiar – quer na saúde materna, quer, ainda, na saúde do recém-nascido, da criança e do adolescente –, há um acréscimo ligeiro em 2012, comparativamente a 2011.
Os idosos são, pois, os mais afectados devido às baixas reformas, associadas ao elevado preço dos medicamentos e, em certos casos, às despesas com transportes entre a respectiva residência e o centro de saúde.
No ensino assistimos, também, a uma diminuição de utentes. A frequência no 1.º e no 2.º ciclo do Ensino Básico diminuiu na Península de Setúbal, bem como na maior parte dos concelhos no que diz respeito à educação pré-escolar no sector privado. Em contrapartida houve um aumento no acesso ao pré-escolar público, facto, de certo, associado às crescentes dificuldades das famílias. A situação mais expressiva diz respeito ao concelho do Seixal com uma quebra de cerca de 7% de utentes do sector privado.
Estamos, convém salientar, numa área social bastante sensível onde, nesta região, bem como em Lisboa e no Porto há uma significativa desresponsabilização do Estado na criação de estruturas de apoio à infância, facto que deve ser denunciado pelos pais e pelo poder local.
População e tecido empresarial
Em termos populacionais, no período a que nos vimos referindo, ainda não se fez sentir em todos os concelhos as consequências da emigração. Há, contudo, concelhos que viram diminuir o número de residentes. Estão neste caso: Almada, Barreiro, Moita e Setúbal. Nos restantes concelhos há, apenas, um aumento meramente residual. Verifica-se, em termos gerais, uma diminuição da população estrangeira. Em 2011 havia na Península de Setúbal 41 718 estrangeiros com estatuto legal de residentes. Em 2012 esse número decresceu para 40 635. Acresce a esse facto, um outro, ou seja, a diminuição de imigrantes a solicitarem o estatuto de residente.
Todos estes elementos interligados – a regressão salarial, o abaixamento do valor das pensões, o desemprego, a emigração, o retorno dos imigrantes, a diminuição da população –, não deixarão de ter consequências na área da construção civil, do comércio, da restauração, dos serviços, enfim, naquilo que é predominante na economia da região.
Estamos a falar de uma região que, de acordo com a classificação CAE-Rev.3 –, tinha apenas 29 531 pessoas ao serviço das indústrias transformadoras, valor que corresponde a 14% do emprego da Península de Setúbal.
Sem grandes unidades industriais, salvo alguns casos pontuais em Palmela, em Setúbal e no Seixal, com serviços de reduzido valor acrescentado – 68 330 empregos na construção e no comércio –, com a pauperização da população e com uma frágil estrutura económica, o futuro indicia anos de chumbo, a não ser que o «povo se levante» e imponha uma ruptura democrática que subordine a acção dos governos à democracia política, económica, social e cultural.