Só a luta garante defesa do serviço público
dos Correios prestado pelo Estado

Alienar é crime contra as pessoas e o País

A luta em de­fesa dos Cor­reios, do ser­viço postal pú­blico, dos di­reitos dos ci­da­dãos, contra a pri­va­ti­zação dos CTT, é uma luta que está de pé e vai con­ti­nuar. Mais do que con­fi­ança, essa é a cer­teza de quem não ab­dica de estar na linha da frente em de­fesa de um ser­viço que é de toda a co­mu­ni­dade e que não pode ser ali­e­nado para sa­tis­fazer a gula de in­te­resses pri­vados.

Só este ano já foram en­cer­radas 100 es­ta­ções com re­dução de 203 postos de tra­balho

Em traços largos foi este o sen­ti­mento pre­do­mi­nante na re­cente au­dição pro­mo­vida pelo Grupo Par­la­mentar do PCP na AR sobre os CTT. Apesar de este ser um tempo de fé­rias, sig­ni­fi­ca­tivo foi o nú­mero de pre­senças em re­pre­sen­tação de en­ti­dades e es­tru­turas di­versas: sin­di­cais, co­mis­sões de tra­ba­lha­dores, utentes, au­tar­quias, agri­cul­tores e con­su­mi­dores.

Pre­si­dida por Bruno Dias, de­pu­tado, e por Te­resa Cha­veiro, do Co­mité Cen­tral, esta au­dição pro­por­ci­onou um de­bate aberto, com muita troca de in­for­ma­ções, em torno das op­ções que têm sido le­vadas a cabo na em­presa e dos ob­jec­tivos enun­ci­ados pelo Go­verno.

Foram so­bre­tudo tes­te­mu­nhos de quem, no ter­reno, de Norte a Sul, tem sido con­fron­tado com de­ci­sões que põem em causa este ser­viço fun­da­mental às po­pu­la­ções, com­pro­me­tendo, si­mul­ta­ne­a­mente, ques­tões até de so­be­rania e de co­esão ter­ri­to­rial.

Muito su­bli­nhada - e este foi outro traço comum a todas as in­ter­ven­ções – foi a im­por­tância es­tra­té­gica dos Cor­reios para o nosso País. E por isso no centro do de­bate es­teve so­bre­tudo o que de muito mal o Go­verno está a fazer à em­presa Cor­reios, à rede postal pú­blica.

Não à pri­va­ti­zação

A ava­li­ação de José Oli­veira, do SNTCT, a este res­peito, di­fi­cil­mente po­deria ser mais crí­tica. A co­meçar pelo que tem sido o tra­jecto do ser­viço postal de­pois do início do pro­cesso de li­be­ra­li­zação a nível eu­ropeu. As três di­rec­tivas eu­ro­peias que foram trans­critas para a le­gis­lação na­ci­onal sobre esta ma­téria, na opi­nião do sin­di­cato, «são todas más porque põem em causa a pers­pec­tiva de con­ti­nu­ação de ser­viço pú­blico».

Daí serem alvo da sua con­tes­tação, tal como é a pri­va­ti­zação dos CTT, pro­cesso que «não é bom para os ci­da­dãos nem para o Es­tado, ao con­trário do que o Go­verno quer fazer crer».

Evo­cado foi um es­tudo re­cente de uma or­ga­ni­zação in­ter­na­ci­onal (UNI Global Union), a partir do Ca­nadá, onde esta te­má­tica está em de­bate, o qual, frisou, prova à evi­dência que ne­nhum dos pres­su­postos para a li­be­ra­li­zação está cum­prido, ou seja: «não temos me­lhor ser­viço, nem me­lhores con­di­ções de tra­balho para quem lá tra­balha, nem acima de tudo preços de acordo com a ca­pa­ci­dade de cada ci­dadão».

Sobre a pri­va­ti­zação, o re­fe­rido es­tudo as­sume po­sição idên­tica, por­quanto «está pro­vado que esta não trará nada de bom». Nos países onde a pri­va­ti­zação ocorreu «só so­bre­vi­veram as em­presas pres­ta­doras de ser­viço postal que se trans­for­maram de ope­ra­dores na­ci­o­nais em mul­ti­na­ci­o­nais», re­alçou, dando o exemplo da Ale­manha, onde o grupo DHL tem «su­gado» tudo o que é ser­viço de cor­reios a nível mun­dial.

E em de­fesa do ser­viço pú­blico sus­tentou que a ex­pe­ri­ência de ou­tros países mostra ainda que, onde ele existe, «todos os exem­plos são bons e onde houve pri­va­ti­zação todos os exem­plos são ne­ga­tivos». É o caso do ser­viço postal da Ar­gen­tina, que era ex­ce­lente e que de­pois da pri­va­ti­zação pra­ti­ca­mente de­sa­pa­receu, le­vando o go­verno do mesmo par­tido que antes o pri­va­ti­zara a «re­na­ci­o­na­lizar agora o que resta dos cor­reios ar­gen­tinos».

«O ser­viço deve ser pú­blico, pres­tado pelo Es­tado, estar pró­ximo de cada ci­dadão, deve ser cum­prido no mí­nimo o que está na lei e a ma­nu­tenção fu­tura dos Cor­reios en­quanto en­ti­dade pú­blica é o único ca­minho pos­sível para sal­va­guardar o di­reito à co­mu­ni­cação dos ci­da­dãos», de­fende José Oli­veira.

A perda de qua­li­dade de ser­viço é comum a todos os lo­cais onde en­cerrou uma es­tação dos CTT. Como em Er­videl (Al­jus­trel), onde o ser­viço, se­gundo o pre­si­dente da junta de fre­guesia, Ma­nuel Nobre, passou a fun­ci­onar numa mer­ce­aria, desde há cerca de dois meses. «O certo é que a po­pu­lação não re­co­nhece a mesma qua­li­dade a que es­tava ha­bi­tuada, porque não há pri­va­ci­dade, não há si­gilo», afi­ançou, cri­ti­cando a ba­ra­funda ac­tual - «ao mesmo tempo que al­guém está a com­prar ce­bolas estão ou­tros a tratar de ques­tões do foro pes­soal», re­latou -, o que levou, in­clu­si­va­mente, a que já cir­cule de boca em boca in­for­ma­ções sobre o valor que esta ou aquela pessoa au­fere de pensão. Isto para além do con­flito de in­te­resses que re­side no facto de «quem vende [neste caso o mer­ce­eiro] é quem paga as re­formas».

Pior ser­viço

Às al­te­ra­ções que os CTT estão a pro­ceder deu igual­mente uma par­ti­cular atenção José Ro­sário, da co­missão de tra­ba­lha­dores, para con­firmar que não obs­tante a re­cusa da ad­mi­nis­tração em ad­mitir que essas mu­danças estão a pro­vocar trans­tornos e pro­blemas, a ver­dade é que «há ser­viços que as es­ta­ções prestam e que os postos não prestam». Além de que o ser­viço em geral, diz, «sendo bom, já foi muito me­lhor, e está a ca­mi­nhar a passos largos para uma de­gra­dação muito sig­ni­fi­ca­tiva».

Exemplo disso é a re­no­vação da carta de con­dução, um ser­viço ino­vador dos CTT que pode ser tra­tado em qual­quer balcão, dis­pen­sando que as pes­soas te­nham de se des­locar a Lisboa. Ora o que se ve­ri­fica é que há uns meses essa troca era feita na es­tação mais pró­xima e «hoje há quem tenha de se des­locar 40 km para ir trocar a sua carta de con­dução a uma es­tação de cor­reios».

Sobre o pro­cesso de li­be­ra­li­zação que tem vindo a ocorrer, com a pre­sença de em­presas con­cor­rentes aos CTT, des­tacou o facto de tal acon­tecer so­bre­tudo nas grandes ci­dades, já que no «in­te­rior não há ne­nhum con­cor­rente que queira lá ir en­tregar seja o que for».

Não dis­cu­tindo a le­gi­ti­mi­dade dos CTT para pro­ceder à gestão do ser­viço pú­blico dos Cor­reios e dos meios que tem à sua dis­po­sição, em função da pro­cura e das ne­ces­si­dades das po­pu­la­ções, aquele membro da CT já não en­tende que «não se veja qual­quer tipo de cri­tério no pro­cesso de en­cer­ra­mento de es­ta­ções».

Quanto à pri­va­ti­zação, re­cusou a tese de que um ser­viço para ser bem ge­rido tem de ser pri­vado. «Qual­quer gestor capaz, com­pe­tente, é-o no pú­blico ou no pri­vado», de­clarou, con­victo de que «a di­fe­rença está em que se for pri­vado os lu­cros ge­rados pelos CTT vão para o bolso de al­guns e se for pú­blico os lu­cros, se houver, vão para o OE».

Sem meias pa­la­vras es­teve também Ana Por­fírio, da Junta de fre­guesia de Ver­de­rena (Bar­reiro), para quem a po­lí­tica que tem vindo a ser se­guida sig­ni­fica o «ho­lo­causto dos ser­viços pú­blicos», ou seja uma «po­lí­tica de terra quei­mada, de des­truir tudo». Ser­viços pú­blicos que al­guns dizem dar «tanto pre­juízo» mas que nem por isso deixam de ser «co­bi­çados pelos pri­vados», seja na saúde ou nos trans­portes, por exemplo.

Con­su­mado o fecho da es­tação da Quinta Grande, também aqui, desde essa hora, têm cres­cido as re­cla­ma­ções, ha­vendo re­latos de atrasos de sete dias na en­trega de cor­res­pon­dência, en­quanto a loja no Bar­reiro (com três postos de balcão, onde estão sete fun­ci­o­ná­rios) não dá vazão a tanto mo­vi­mento. A que acresce a questão da dis­tância a per­correr, hoje mais uma dor de ca­beça, so­bre­tudo para a po­pu­lação idosa.

Vítor Nar­ciso, se­cre­tário-geral do SNTCT/​FEC­TRANS,

de­pois de as­si­nalar que os CTT até dão lucro (nos úl­timos cerca de seis anos deram aos co­fres do Es­tado quase 400 mi­lhões de euros), fez notar que as em­presas pú­blicas, como é esta, «não têm que dar lucro», têm, sim, é de «prestar o seu ser­viço em todo o País» e de «ser ge­ridas cor­rec­ta­mente». «Muitas vezes dão pre­juízo e isso em al­guns casos su­cede porque o Es­tado não paga aquilo que deve», alertou, dando o exemplo das em­presas de trans­porte.

Com a pri­va­ti­zação, an­tevê que o lucro vá du­plicar ou tri­plicar, «en­trando para o bolso dos ac­ci­o­nistas», o que se ex­plica pela re­dução de es­ta­ções, pelas al­te­ra­ções à dis­tri­buição (atrasos nas en­tregas entre 3 e 4 dias), pela di­mi­nuição dos postos de tra­balho.

Num ce­nário de pri­va­ti­zação, ques­ti­onou-se ainda sobre o que acon­te­cerá ao «fundo de ga­rantia das obras so­ciais» (dois mil mi­lhões de euros), que en­globa o sub­sis­tema de saúde a que os tra­ba­lha­dores e suas fa­mí­lias têm di­reito. «Quem se res­pon­sa­bi­liza por isso?», foi a per­gunta que ficou no ar.

Da pro­ble­má­tica da dis­tri­buição se ocupou An­tónio Ma­ga­lhães, também ele da co­missão de tra­ba­lha­dores, que não du­vida de que o cor­reio é muitas vezes atra­sado nas cen­trais (Centro de Pro­dução e Lo­gís­tica) e é-o de forma pro­po­si­tada. Deu o exemplo da CDP (Centro de Dis­tri­buição Postal) da Maia, onde tra­balha, a fun­ci­onar no mesmo edi­fício onde está ins­ta­lado o CPL. E contou que, re­cen­te­mente, chegou o cor­reio azul nas ha­bi­tuais «caixas» de plás­tico azuis, vindo também nas mesmas caixas azuis uma série de cor­reio normal. E porquê? Porque es­ti­vera «en­cos­tado não sei quantos dias», ex­plicou, adi­an­tando que «quando lá chegou já vinha fora de pa­drão». Por ou­tras pa­la­vras, as cartas que foram me­tidas na má­quina de fran­quear na es­tação de cor­reios da Maia, num dado dia, só foram en­tre­gues sete dias de­pois. E assim, com esta gestão, se «pre­ju­dica a qua­li­dade o mais pos­sível».

Quanto ao fecho de es­ta­ções, o que mais pre­o­cupa os tra­ba­lha­dores, re­velou, é a forma como isso tem acon­te­cido, apa­ren­te­mente sem qual­quer cri­tério. «É fe­char du­rante a noite, quantas vezes nas costas de quem está a di­rigir aquelas es­tação e dos pró­prios tra­ba­lha­dores que chegam lá no dia se­guinte e en­con­tram a porta fe­chada, como vá­rias vezes já acon­teceu», re­latou.

Po­pu­la­ções em luta

Também Sofia Mar­tins, vice-pre­si­dente da câ­mara do Bar­reiro, não com­pre­ende o fecho da es­tação da Quinta Grande, que servia mais de 30 mil dos 80 mil ha­bi­tantes do Bar­reiro. Um en­cer­ra­mento que de­bi­litou e muito a qua­li­dade de vida dos mu­ní­cipes, si­tu­ação de resto bem es­pe­lhada nas inú­meras re­cla­ma­ções que têm che­gado à au­tar­quia.

De­cisão de fe­char que é ainda mais ab­surda se se atender

que aquela era a es­tação que tinha mais re­ceitas, apesar da di­mi­nuição de trá­fego ale­gada pela ad­mi­nis­tra­dora dos CTT, Di­o­nísia Fer­reira.

Dos con­tactos de­sen­vol­vidos pela au­tar­quia com os res­pon­sá­veis dos CTT re­teve, en­tre­tanto, com per­ple­xi­dade, a total falta de aber­tura por aqueles re­ve­lada, sem dis­po­ni­bi­li­dade se­quer para ouvir, nem tentar fun­da­mentar a sua de­cisão, li­mi­tando-se apenas a anotar o que os in­ter­lo­cu­tores trans­mi­tiam.

Uma ga­rantia, porém, foi por si dei­xada nesta au­dição: em de­fesa da po­pu­lação, as au­tar­quias do Bar­reiro tudo farão para re­a­brir a es­tação da Quinta Grande e para travar pri­va­ti­za­ções como a dos CTT. «É que existe uma Cons­ti­tuição, que não pode ser es­que­cida», en­fa­tizou.

À pri­va­ti­zação dos CTT re­gressou ainda José Au­gusto Silva Pe­reira, também ele membro da co­missão de tra­ba­lha­dores, para es­ta­be­lecer um pa­ra­lelo com a pri­va­ti­zação dos trans­portes pú­blicos. Assim o fez porque, in­fe­liz­mente, no Minho, la­mentou, há gente que só tem trans­portes pú­blicos uma vez por se­mana ou de 15 em 15 dias, «aos dias de feira». «Gente que antes es­tava a 15 Km da es­tação de Cor­reios e hoje está a 30 Km», exem­pli­ficou, as­si­na­lando que no Norte também já en­cer­raram muitos postos que ti­nham con­trato com os CTT e que, ces­sado este, en­cer­raram.

Dos atrasos na en­trega de cor­reio deu também pú­blico tes­te­munho, com co­nhe­ci­mento de causa, re­fe­rindo que o «cor­reio de Braga para Braga também de­mora 15 dias ou mais». Fa­lando da sua pró­pria ex­pe­ri­ência, co­meçou por re­ferir que «muitas vezes foi já in­sul­tado» de­vido a atrasos de que não tem culpa ne­nhuma. E fresco na sua me­mória, contou, está ainda o caso em que es­teve à beira de «levar uma lam­bada» de uma mu­lher a quem aca­bara de en­tregar a cor­res­pon­dência com a re­forma. É que não só a carta que aca­bara de en­tregar já vinha com muito atraso como a es­tação de cor­reios nesse dia já es­tava fe­chada, pois pas­sava das 17h30. Valeu-lhe, mais que a ar­gu­men­tação, os re­flexos rá­pidos, con­fessou, antes de su­bli­nhar que os car­teiros tra­ba­lham muitas vezes para além da sua hora, e, se acaso não con­se­guem en­tregar o cor­reio com 10 dias de atraso, porque passa o pa­drão, ainda se ha­bi­litam a um pro­cesso dis­ci­plinar.

 



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