Bizarrias

Aurélio Santos

O Mosteiro dos Jerónimos já tem servido algumas vezes de palco para actos públicos. Mas felizmente tem imperado o bom senso na sua utilização.

Se o escritor romeno Ionesco, que tão bem retratou o burlesco, estivesse ainda entre nós, não desperdiçaria a bizarria de alguns factos ocorridos na política portuguesa nas últimas semanas.

Apesar de não ter merecido qualquer relevância, não deixa de ser estranha a insólita ideia do Conselho de Ministros de se reunir no Mosteiro de Alcobaça, um monumento considerado património da Humanidade e cuja origem remonta à fundação da nossa nacionalidade.

Bizarria ou megalomania?

Para quem conhece um pouco da história do mosteiro a ideia talvez não tenha sido feliz.

A sala do Capítulo (a mais nobre do mosteiro) onde o Conselho de Ministros se instalou para a reunião era a sala onde se enterravam os mortos. Uma das portas desta sala até é conhecida por porta da morte. Será que foi por aí que o Governo saiu?

Estamos perante um anúncio ou um prenúncio?

O facto torna-se ainda mais burlesco se o juntarmos às confrangedoras imagens que as televisões nos deram na véspera: – o Presidente da República a declarar, coisa importante para o País e que desconhecíamos, que ao longo da sua vida tinha aberto centenas de covas.

Já tínhamos percebido que este Governo e o Presidente estão sempre de acordo.

A ideia da utilização de um espaço com o peso deste Mosteiro para fazer uma banal reunião, deixa-nos a incómoda sensação de que agem sob o lema «isto agora é tudo nosso» e faz-nos pensar que o Governo já considera o país coutada sua.

É provável que a opção traduza aquela ideia peregrina e tola da «refundação do Estado», não tarda vão querer reescrever a História. Esta atitude leva-nos a crer que qualquer semelhança entre Passos Coelho e o Rei Luís XIV de França que dizia «O Estado sou eu» não é pura coincidência.

Mas o insólito continua. Paulo Vistas, candidato à Câmara de Oeiras, tem um gigantesco outdoor que nos diz ter a sua candidatura o apoio de Isaltino Morais. A pergunta que se põe é: será que é assim uma coisa muito boa ter o apoio de um preso por corrupção e fuga ao fisco?

Palavras para quê? Os factos dizem tudo.



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