Os saqueadores da terra

Jorge Messias

«Agronegócio é o novo nome do modelo de desenvolvimento económico da
agropecuária capitalista. Esta modalidade não é nova e a sua origem assenta na tese da
Plantação em que grandes propriedades são utilizadas na produção para exportação. Desde as primeiras fases do capitalismo que este esquema recorre a mudanças e adaptações, sempre com o objectivo de intensificar a exploração da terra e do homem» (Agronegócio e Reforma Agrária, Marçano Fernandes, Universidade Estadual Paulista).

«A Igreja é considerada a maior proprietária de terras no período feudal. Segundo os historiadores, isso ocorreu pelo facto de que grandes senhores obcecados com a vida após a morte e preocupados em passarem para o lado direito de Deus, doavam à igreja vastas propriedades porque achavam que a instituição católica realizava uma obra notável entre os doentes e os pobres... A nobreza e o clero constituíam as classes governantes» (Huberman, 1981).

«Portugal é hoje o país de múltiplos medos... Medo da fome, do desemprego, da pobreza, do terrorismo, da guerra, das alterações climáticas, das epidemias, medo dos estranhos – visíveis e invisíveis, reais ou sugeridos à nossa sociedade... Sob o medo do desemprego, as pessoas aceitam trabalhos degradantes... Sob o medo da fome, milhares são levados a deixar o seu país... O medo manda!» (de «A sociedade actual é modelada pelo medo», Pedro Cipriano, 2012).

«A coragem conduz às estrelas, o medo à morte!» (Séneca, filósofo latino do Século I)

Terminou a construção da grande pirâmide capitalista. Os escravos que a construíram estão condenados à morte e vão sendo executados a bom ritmo. Os territórios imensos anteriormente escravizados produzem apenas mais-valias para as fortunas milionárias. O capitalismo expandiu-se a nível mundial e, primeiro, criou escravos e dinheiro; depois, comércio e dinheiro; noutra etapa, máquinas e dinheiro; finalmente, dinheiro e só dinheiro. Os ricos cantam vitória mas sentem na boca um sabor amargo. Sabem que estão metidos numa camisa de onze varas. A luta de classes cresce nos países condenados à ruína e à miséria. Retomamos aqui o caso do Brasil, tão semelhante ele é à situação que se vive em Portugal.

O agronegócio foi apresentado ao mundo como um autêntico milagre brasileiro. Num mundo capitalista em quebra de todos os índices de produção, o Brasil conseguiu, só nos tempos mais recentes, registar na área das exportações um lucro líquido da ordem dos 30 biliões de dólares. Passou para o terceiro lugar na escala dos grandes produtores de alimentos. E atraiu enormes investimentos internacionais onde predominaram os grandes grupos financeiros norte-americanos.

Basicamente, estes resultados surpreendentes devem-se ao agronegócio. As estratégias neocapitalistas aplicadas no sector agropecuário (curiosamente por governos ditos de esquerda, como os de Lula da Silva e Djilma Roussef) deixaram de ser condicionadas pela leis da República. São gigantescos grupos financeiros que ditam os câmbios, as margens de lucro, as isenções fiscais, as quotas de produção, etc., etc. Lula liberalizou o comércio e aplicação das sementes transgénicas e os seus ministros consentiram deliberadamente no mega-negócio que implica a destruição da selva amazónica. Toda a panorâmica do sector é dominada pelo latifúndio e pela especulação financeira. Porém, para lá das aparências de sucesso capitalista e de superação da crise financeira, os índices negativos da vida do povo brasileiro continuam a agravar-se com quase, ou mais, de 50 milhões de desempregados, a subida incontrolável dos preços (50% do rendimento familiar é, em média, gasto na alimentação), os cortes orçamentais na área social, um dos piores mapas mundiais de distribuição de riqueza, etc. Na população rural, 40% dos camponeses vive abaixo da linha da pobreza. Tentativas para reanimar no Brasil os princípios de uma verdadeira Reforma Agrária esbarram, sempre, com a oposição irredutível da bancada da terra, representativa dos interesses majestáticos de especuladores financeiros e latifundiários multinacionais. Irresistivelmente, alarga-se e aprofunda-se o fosso entre pobres e ricos.



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