O discurso do Presidente
No passado dia 12 de Junho, o Presidente da República foi convidado a intervir na sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. O tom – indignado, preocupado e até um pouco revoltado – poderia sugerir, a quem não conhece, um Presidente que se tem oposto activamente à lógica das políticas de austeridade que têm levado à destruição do País, nomeadamente após assinatura do pacto de agressão entre as troikas nacional e estrangeira. Talvez alguns dos interlocutores estrangeiros tenham ficado com essa impressão. É pouco provável, no entanto, que o povo português sofra de um episódio colectivo de amnésia, e se esqueça, do dia para a noite, das próprias responsabilidades do Presidente da República na cumplicidade com o rumo de desastre para o qual PS, PSD e CDS-PP conduziram o nosso País. Eis alguns trechos do dito discurso:
1. «No meu país, a dureza da recessão manifesta-se há 10 trimestres consecutivos. A taxa de desemprego atingiu 17,7 por cento, sendo o desemprego jovem de 42 por cento. Assistimos a um preocupante aumento do risco de pobreza. (...) temos de admitir que esta crise veio expor sérias fragilidades da União. Para além da lentidão e tibieza na resposta à crise do euro, o maior fracasso da União Europeia residiu – e reside – no capítulo da promoção do crescimento económico e da criação de emprego.»
O Sr. Presidente está preocupado com o desastre social a que conduziu a política recessiva do pacto de agressão. Há mais de dois anos, uma semana antes do pedido de «assistência externa» pelo então governo PS/Sócrates, o PCP afirmou, através do seu Secretário-geral, que a resposta à crise residia na «firme recusa deste rumo de “austeridade” seja por via do PEC seja por via do FMI», considerando que as medidas de austeridade, «longe de conterem o roubo em curso ou de acalmarem os mercados, são em si mesmas – designadamente pelo efeito recessivo que produzem – um factor de agravamento das taxas de juro cobradas e do processo de chantagem e extorsão com que o grande capital está a confrontar o País». Propusemos, então, a renegociação imediata da dívida pública e uma política de forte aposta no crescimento e produção nacional. Estaria neste momento o Sr. Presidente a rebelar-se contra a austeridade? Alguns dias depois, nas comemorações do 25 de Abril de 2011, o Sr. Presidente apelava a um «esforço de concertação» entre o Governo e os partidos políticos «relativamente às condições para a obtenção da assistência financeira externa indispensável à salvaguarda do interesse nacional», mobilizando os portugueses para «perceberem que as exigências do presente têm um sentido de futuro, têm um propósito, têm uma linha de rumo coerente». Passados mais de dois anos, o futuro, o propósito e a linha de rumo coerente aí estão – no aumento colossal do desemprego, da pobreza e da própria dívida pública. Situação relatada pelo próprio Sr. Presidente que, como sabemos, é pessoa que nunca tem dúvidas e raramente se engana.
2. A solução que o Sr. Presidente preconiza – aliás, em consonância com a direita e a social-democracia europeias e portuguesas – reside na concretização de uma «verdadeira União Económica e Monetária nas suas várias vertentes: bancária, orçamental e monetária». Portanto, o aprofundamento do processo de integração capitalista e a perda cada vez maior de parcelas das nossa soberania, que conduzirão não ao desenvolvimento do país mas a uma maior dependência externa e impossibilidade de decisão em matérias fundamentais. Sobre os episódios anteriores deste processo, é inevitável referirmos que já em 1992, em Programa aprovado em Congresso afirmámos que «A evolução num sentido federalista da integração europeia nos planos económico, político e militar, ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política poderá passar a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais.» E que, em 1997, aquando da discussão sobre a entrada de Portugal no euro, o então Secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, afirmou que «a moeda única é um projecto político que conduzirá a choques e a pressões a favor da construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização crescente das funções sociais do Estado».
Será esta receita que é preciso aprofundar? É evidente que não e não se pode dizer que não tenhamos avisado. Não adianta chorar depois pelo leite derramado. Para além de que o povo, em lamúrias e comiserações, já não acredita.