Manning, Assata, liberdade

António Santos

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Começou na segunda-feira o julgamento de Bradley Manning, o soldado estado-unidense de 25 anos que, há três anos, foi preso sob a acusação de ter tornado públicos centenas de milhares de documentos secretos, naquela que foi a maior fuga de informação da história dos EUA. Durante mais de um ano após a sua detenção, Bradley esteve encerrado em regime de isolamento em condições tão funestas que o relator especial da ONU sobre a tortura, Juan Mendez, acusou o governo norte-americano de «tratamento cruel e desumano».

O jovem soldado, expressou em tribunal que pretendia denunciar «o desrespeito dos EUA pela vida humana». O crime de Bradley foi dar a conhecer ao mundo a face mais crua do imperialismo. Entre os muitos documentos filtrados, contam-se telegramas e vídeos sobre esquadrões da morte, massacres de civis e jornalistas. Por mostrar a verdade, a administração de Obama acusou-o de «traição» e de «ajudar o inimigo», crime punível com pena de morte. Embora o governo dos EUA já tenha indicado que não vai solicitar a pena capital, Manning arrisca a prisão perpétua. A criminalização do jornalismo de investigação delata os matizes fascizantes da administração Obama e não são só Julian Assange e Bradley Manning que estão sob a mira do Governo: no mês passado, a Associated Press denunciou um programa ilegal do Departamento de Defesa para efectuar milhares de escutas aos seus jornalistas.

A decisão de julgar como traição a simples divulgação de informação, abre mais um perigoso precedente antidemocrático. Obama justifica a acusação de «colaboração com o inimigo» com o argumento de que ao publicar informação na Internet, Manning partilhou-a «directamente com terroristas». Recorrendo ao mesmo artifício, qualquer jornal que exponha os segredos sujos do governo pode incorrer no mesmo crime. Por outro lado, a peregrina classificação da verdade como «traição» e a criminalização da denúncia de crimes contra a humanidade impõem uma linha na areia: se a divulgação da verdade e a defesa dos direitos humanos são «colaboração com o inimigo», quem é o «inimigo»?

Resistência

O mais recente «inimigo» é Assata Shakur, ex-membro dos panteras negras e a primeira mulher a integrar a tétrica lista dos «Terroristas mais Procurados». Nos anos 60 e 70, o Partido Pantera Negra chegou a ser considerado por J. Edgar Hoover como «a maior ameaça interna» à classe dominante. Para pôr cobro à ameaça, os Estados Unidos puseram em marcha uma política de assassinatos, falsas acusações, narcotização e encarceramento em massa: uma guerra suja conhecida por COINTELPRO.

Foi neste contexto que Assata, militante dos panteras negras se juntou a um movimento armado conhecido por Exército de Libertação Negro. Em 1973, na sequência de um tiroteio em que morreu um polícia e um militante do ELN, Assata foi presa e, apesar de todos os testemunhos credíveis abonarem a favor da sua inocência, acusada de ambas as mortes.

Mas Assata fugiu da prisão e conseguiu chegar a Cuba, que lhe ofereceu asilo político e onde vive há 29 anos. 40 anos volvidos sobre fatídico tiroteio, o FBI pôs a sua cabeça a prémio por 2 milhões de dólares e classifica a militante política negra como «terrorista», o que de acordo com a legislação imperial, torna a sua casa em Cuba num potencial alvo para um ataque com aviões não-tripulados.

Independentemente da sua inocência, a etiqueta de «terrorista» surge 40 anos mais tarde para criminalizar os seus ideais políticos e o movimento em que se integrava. Mais que Assata, Obama veio carimbar todo o movimento Pantera Negra com esse libelo e lançou um aviso aos que hoje se levantam pelas mesmas causas que Assata. Ao mesmo tempo, Obama forja assim uma justificação para o bloqueio contra Cuba, mantendo a ilha caribenha na «lista dos países patrocinadores do terrorismo», o que já se veio a verificar na semana passada.

Bradley Manning e Assata Shakur são apenas as caras mais recentes de uma velha táctica que consiste em chamar «terrorista» aos nossos «inimigos». Esta quinquilharia semântica tem que ser desmanchada. É preciso recusar normalizá-la. Há que reconhecê-la como o que ela é amiúde: uma forma de desacreditar processos de resistência legítimos e criar o quadro legal necessário para o seu extermínio.

São «inimigos» do governo dos EUA quem quer que se oponha ao imperialismo; ao racismo e à guerra. São «inimigos» e apelidados de «terroristas» todos os que não acatam servilmente os seus ditames. São por isso os EUA «inimigos» da humanidade.



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