O pacto de agressão, o milagre e a luta

Ângelo Alves (Membro da Comissão Política do PCP)

Passaram, na passada semana, exactamente dois anos sobre a assinatura, pela mão de Teixeira dos Santos, do «memorando de entendimento» para Portugal. Estava assim posto em marcha o «programa» das troikas interna e externa.

 

Só a luta poderá impor a ruptura necessária

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Depois dos PEC de Sócrates, das telenovelas do Orçamento do Estado envolvendo PS e PSD, e do «acertar de agulhas» entre PS, PSD e CDS, o caminho da intervenção externa, da submissão, da exploração, do empobrecimento e da destruição económica estava escancarado. A porta foi aberta pelos mesmos três partidos que ao longo de mais de três décadas praticaram a política de direita que conduziu Portugal à situação que hoje vivemos. Os mesmos três partidos do «consenso» sobre a integração de Portugal na CEE/UE e posteriormente na União Económica e Monetária – o «paraíso na terra» que, como o PCP previu e preveniu, se transformou progressivamente num inferno para a maioria da população portuguesa.

Portugal tornava-se há dois anos na terceira «experiência», a seguir à Irlanda e à Grécia, da estratégia de exploração dos trabalhadores, de empobrecimento dos povos, de colonização económica de vários estados e de transferência de recursos públicos e do trabalho para o capital financeiro. Hoje são muitos os que, mesmo não querendo ou ocultando-o, dão a razão ao PCP quando muito acertadamente este apelidou o memorando de entendimento como um pacto de agressão contra o povo e o País e se recusou a reunir com a troika estrangeira. Segundo estudos de opinião recentemente divulgados, a maioria dos portugueses está contra a aplicação do pacto de agressão e quer ver a troika fora de Portugal.

E com razão! Passados dois anos, é evidente o tsunami de destruição económica e social que é o pacto de agressão. O desemprego que em 2011 se situava já na altíssima taxa de 12,7% disparou para uma taxa oficial de mais de 18%. Se os cerca de 200 mil portugueses que emigraram em 2011 e 2012 à procura de emprego tivessem permanecido em Portugal, então esta taxa estaria já muito acima dos 20%. De qualquer forma, o balanço é assustador: mais 430 mil desempregados em dois anos. A pobreza disparou e os dados disponíveis apontam para uma taxa de população a viver em risco de pobreza que pode rondar os 40%. Fenómenos como a fome são relatados nas mais diversas zonas do País.

A recessão aprofunda-se vertiginosamente. Segundo as previsões iniciais contidas no memorando da troika, o PIB português deveria estar este ano a crescer 1,2%. As últimas previsões indicam uma queda do PIB na ordem dos 3,3%, acompanhada por quebras acentuadas no consumo privado e no investimento público e por um abrandamento acentuado das exportações. A dívida pública portuguesa era em 2011 de 108,3% do PIB, hoje está nos 123,6%. Tal significa que a aplicação do pacto de agressão (só por si um endividamento do Estado português em mais de 110 mil milhões de euros) se traduziu na perda directa de mais de 17 mil milhões de euros em dois anos!

Ruptura profunda é urgente

Mas não nos ficamos por aqui. Tudo foi feito em função do chamado «equilíbrio das contas públicas». Ora esse «equilíbrio» traduziu-se num aumento do défice das contas públicas de 4,4% em 2011 para 5,5% em 2013.

É este o cenário de catástrofe económica e social que o comunicado do Conselho de Estado da passada segunda-feira ignora de uma forma absolutamente inacreditável, transformando-o num tremendo insulto e desrespeito para com a esmagadora maioria dos portugueses. Mas será que estamos perante um mero erro que Governo e Presidente da República se recusam a reconhecer? Não! Obviamente que não! A questão é bem mais funda do que isso. Como o demonstra também o comunicado do Conselho de Estado, o pacto de agressão foi um instrumento, uma forma concreta de prosseguir uma estratégia do capital contra o trabalho. E o que Cavaco quis discutir, e a União Europeia pretende concretizar no Conselho Europeu de Junho, é como institucionalizar e eternizar as políticas que até agora têm sido concretizadas por via dos «memorandos». É por isso que a posição do PS de distanciamento tácito do memorando se torna ridícula quando o PS é, mais uma vez, um dos mais entusiásticos paladinos do chamado «aprofundamento da União Económica e Monetária» e do salto federalista.

Já se escreve que só um milagre pode salvar Portugal, e Cavaco até já invoca a Nossa Senhora de Fátima para defender o indefensável. Mas o que salvará Portugal é uma ruptura profunda e cada vez mais urgente. Com o pacto, com a política de direita e com as políticas e orientações da União Europeia. E isso, como se pode constatar, só a luta poderá impor. O próximo sábado é um momento fundamental para salvar Portugal. Com a luta do seu povo!

 



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